Lembra quando a gente odiava quem faz barulho para sorver o café quente? Quem comenta o filme alto no cinema? Come bala como se quisesse chamar a atenção para ser resgatado numa ilha deserta? Palita os dentes e coleciona fiapos gordos de carne em guardanapos abertos? Quem boceja gemendo? Demora oito vidas para escolher ervilhas no self-service? Fala futilidades esganiçadas e nasaladas para a "tipo assim, amiiiigaaahhh" no viva-voz do celular em sala de espera? Nos devolve o carro no vallet com cheiro de pum quente? Éramos felizes e não sabíamos o que vinha pela frente.
Lembra quando a gente tinha raiva de quem assoa o nariz à mesa em restaurante? Fala de boca cheia e um meio grão de arroz vem parar em nosso antebraço? Usa tanto perfume que precisamos passar o resto da semana tratando do fígado? Dos participantes do reality show Alto Leblon (uma das moças tinha como profissão estar noiva!)? De festa em casa de rico que quanto mais rico menos serve comida de verdade? De médico que cobra como se fosse o doutor House e não responde WhatsApp? Dos corretores de imóveis que vendem nosso telefone para outros 200 corretores de imóveis, e mesmo depois de comprarmos uma casa passamos mais 20 anos atendendo semanalmente pessoas querendo vender casas? Bons tempos.
Lembra quando nossos maiores inimigos eram os folgados que furam fila, vão pelo acostamento, não oferecem o último pedaço, mantêm amizades pensando o que podem ganhar com elas? Jovens senhoras que injetam testosterona na alma e garantem que a bunda dura é herança de família? Vendedoras de lojas que se autointitulam nossas melhores amigas e mandam mensagens fofas às sete da manhã? Até esses tipos eram boas pessoas.
Estamos tão ocupados em abominar os eleitores do Bolsonaro que esquecemos da nossa velha e boa lista de repelidos. Que saudade de odiar essas pessoas maravilhosas! Em tempos de "o coiso não", até quem separa o lixo reciclável, mas trata mal o porteiro ou gosta do filme "Na Natureza Selvagem", desde que não seja eleitor do Pocketnaro, se tornou digno de "opa, como vai?" no elevador.
Lembra quando nossa irritação era com o arroto do tio sem noção que tomava Coca-Cola no gargalo? Nosso nojinho era do cheiro de talco misturado a despeito da tia Cidinha? Nosso incômodo era porque o primo Juninho usava camiseta com o logo Abercrombie & Fitch gigante e em relevo peludinho? E a gente puto porque eles defendiam o Alckmin? Nossa, como eram sujeitos da melhor espécie! Aff, até fã do Maluf se tornou parente querido. Vivemos tempos de barbárie!
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