Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

O famoso Daniel

Ai, miga, tipo, cara, meu, insano, cistite, lembra?

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Uma amiga, que chamarei pelo nome fictício de Adriana, me procurou há um tempo com a notícia de que estava saindo com um partidão inacreditável.

Ela falava como uma jovenzinha tola: “Ai, miga, tipo, meu, você não vai acreditar quando eu disser quem é”, e eu, não sem culpa, ignorava parte de seus áudios, porque cheguei naquela idade em que ou bem estamos ouvindo algo extremamente interessante ou bem sentimos que podemos morrer por dentro.

Adriana escreveu o nome do namorado em caixa-alta acompanhado de carinhas felizes e olhos apaixonados e raios, e eu fui obrigada a dizer que não o conhecia (e qual o problema nisso?).

Ela se enfureceu e disparou um imenso currículo esquizofrênico que começava com “vários ensaios para revistas de moda”, passava por “correspondente internacional sobretudo em zonas de conflito” e terminava com “todo mundo sabe quem ele é, porra!”.

Fiquei contente (e preocupada) e topei conhecer o deus supremo dos trópicos dali a uns dias, na ocasião de uma festinha que Adriana daria para apresentar seu troféu aos mais próximos.

Namorar um homem estiloso e bonito seria perfeito? Adriana acha que sim
Namorar um homem estiloso e bonito seria perfeito? Adriana acha que sim - kiuikson/Adobe Stock

Ao chegar a sua casa, a notei estranha, sentada de lado, parecia um vovô tentando soltar um pum bastante comprido.

Adriana me confidenciou que no último fim de semana havia transado mais com o novo amor do que nos últimos três anos com o ex-marido: “Ai, miga, tipo, cara, meu, insano, cistite, lembra?”. “Dri…”, eu disse, com todo o meu afeto, “eu acho incrível que você esteja redescobrindo a vida aos 43 anos, depois de tanto tempo casada com um estrupício, mas, por Deus, por que você decidiu redescobrir também a língua portuguesa e está se expressando como uma adolescente crossfiteira do Itaim?”

Quando todos os presentes lamentavam, sob o inconformismo da anfitriã, nunca terem ouvido falar do namorado “modelo-zonas-de-conflito” dela (e qual o problema nisso?), Daniel (nome fictício) chegou fazendo uma dancinha “hoje a noite promete” e trazendo um vinho com o preço.

Passou o jantar listando gente famosa: “Fulano me adora, vive me implorando pra trabalhar com ele”, disse que o surfe o salvara da depressão inúmeras vezes: “Sou um cara muito sensível e isso dói demais”, e insistia em uma péssima imitação do ex-presidente Lula a cada vez que pescava uma lula da paella feita por Adriana.

A rodinha foi se espalhando, as pessoas começaram a mexer no celular, até que sobramos eu e minha amiga indignada no hall do elevador, reclamando que sua felicidade devia mesmo incomodar.

Ninguém bancava a sua coragem de ter se separado e estar agora na melhor fase da vida, namorando um cara tão “conhecido”.

Eu disse que depois a gente conversava, mas ela me colocou contra a parede. Me implorou honestidade: “Você achou ele chato?”. E eu não pude, não consegui. Acabei dizendo que sim, ela estava certa e, talvez, estar com um homem tão fodão causasse muita inveja nas pessoas.

E eu teria continuado a mentir se não tivesse ouvido Daniel relinchar lá de dentro: “Vou levar meu vinho de volta, amor, tudo bem?”. Mas o elevador chegou e eu fugi.

Na manhã seguinte, porque não somos boas pessoas, criamos o grupo de Whats “Quem conta pra Adriana?”. Desde então —já se foram três anos— ainda não contamos pra ela, mas não passamos um único dia sem falar do cara.

Os filmes, quando muito insuportáveis, recebem “5 estrelas Daniel” de chatice. Em festas ruins, aconselhamos os atrasados: “Não vem não que tá Daniel”. Quando engravidei, acabei confessando: “Dizem que é uma maravilha, mas é bem Daniel”. Pelo menos agora ele é famoso.

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