Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

O real da paixão é a sua impossibilidade

Autora argentina Ariana Harwicz usa a escrita para exorcizar todos os seus demônios

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Se existe uma autora que usa a escrita para exorcizar todos os seus demônios, também conhecidos como recalques e pulsões reprimidas (para viver em sociedade), trata-se da argentina Ariana Harwicz.

Depois de vomitar tanto nojo e escárnio dos clichês e das cenas familiares comezinhas, "mas desprezo esta vida em que a certa hora, na cozinha, a água levanta fervura", a imagino tranquilamente almoçando com o marido e os filhos. Deitada em paz, em uma rede, lendo Virginia Woolf -- e logo voltando a se inquietar.

Ariana, por meio de seus livros tão desconcertantes, nos deixa perplexos, enjoados, excitados e, divago, pode se libertar por alguns minutos de uma mente inflamada e assombrada.

Publicado originalmente em 2014, com tradução de Francesca Angiolillo (jornalista da Folha), "A Débil Mental" faz parte de uma trilogia que a escritora chama de "Trilogia da Paixão" (sempre explorando a relação entre mães e filhos) e veio depois do brilhante "Morra, Amor", que teve a versão em inglês indicada ao Man Booker Prize --e que já resenhei nesta coluna.

Escritora Ariana Harwicz
Escritora Ariana Harwicz - Diego Waldmann

Para falar de onde vive, da casa no meio do mato e longe de tudo, da sua relação de ódio e amor (e tesão e repulsa) com a mãe, a narradora começa dizendo: "Não venho de lugar algum". Para ela, o mundo é "uma vertigem plana".

E, assim, somos convidados a embarcar em histórias desconexas, sonhos difusos, desejos ambíguos, pessoas e tempos misturados.

Harwicz escreve, e sua personagem fala, como quem assentiu uma livre associação freudiana: "O problema do cérebro é que não consigo retê-lo, sempre avançando entre asperezas, sempre em frente como escavadeira".

Somente o amante da filha pode romper a aguda e incestuosa relação de afeição-destruição entre essas duas mulheres famintas de tudo.

O mundo longe dele já não faz mais sentido; o problema é que ele tem esposa e muitas reuniões com clientes. O problema é que sua mãe jamais a deixará partir: "O real da paixão, minha filha, é sua impossibilidade".

Quem tentar entender tudo e ficar voltando páginas vai acabar perdendo o que a obra tem de mais bonito e autêntico.

O pedido de Ariana é para que o leitor se perca e se deixe embalar vulgarmente pelo seu fluxo desorientado e pela sua violência solitária.

E ainda, cansado de uma passividade idiotizada pela narradora, meta um marca-texto em suas alegorias perfeitas: "invento uma vida nas nuvens sentada no meu clitóris" ou "noite corrompida, noite de trovões brancos sobre morcegos" ou ainda "mamãe muda de posição, levanta de novo as pernas contra a parede. Procura se consolar do sentido impossível".

Quando a narradora já não pode mais pensar, "já não sinto que meu cérebro é meu", quando é a voz da mãe que a comanda, "como a mãe que diz para a menininha novinha, não seja mongoloide", ambas terminam ensanguentadas e ainda querem mais.

A Débil Mental

Editora Instante, 96 páginas. R$ 38,20.

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