Alguns livros funcionam como um divisor de águas em nossa vida. Assim aconteceu quando eu li “Demian”, do Hermann Hesse; “Um Copo de Cólera”, do Raduan Nassar; “Retrato de um Viciado Quando Jovem”, do Bill Clegg; “Pergunte ao Pó”, do John Fante; e “O Livro dos Segredos”, do Osho (preciso confessar que adoro, perdão). Muitos títulos me levaram ao tipo de literatura que eu gostaria de produzir, outros raros me ajudaram a alcançar alguma espiritualidade possível.
Eis que neste último fim de semana eu li “De Quem é Esta História?”, da historiadora e ativista Rebecca Solnit (que eu só conhecia de alguns artigos do “The Guardian”), e estou aqui sentindo uma imensa mudança emergir em mim. Sabe aqueles documentários espetaculares a que você assiste na Netflix e depois fica semanas pensando como as redes sociais estão ditando todas as regras, fazendo um serviço muito sujo para a extrema direita e nos usando como meros produtos? Pois saiba que Rebecca Solnit disse tudo isso —e disse antes. Já encomendei seus outros livros publicados no Brasil: “Os Homens Explicam Tudo para Mim” (Cultrix) e “A Mãe de Todas as Perguntas” (Companhia das Letras).
Sempre me acreditei uma simpatizante do feminismo, e não feminista —pois achava que para tal teria que militar e que para militar não poderia ser uma escritora de humor. Tudo errado.
Após a enxurrada de realidade e precisão a que Solnit me expôs, não tenho mais nenhuma dúvida: é preciso ser feminista todos os dias, todos os segundos de nossa existência.
É preciso ter voz, dar voz e, algumas vezes, ser a voz de tantas mulheres. E é necessário enaltecer alguns nomes e expor outros. Rebecca cita uma infinidade de autores e livros essenciais e nos recorda casos que jamais poderemos esquecer: Harvey Weinstein, Bill Cosby, Donald Trump etc.
Gostaria de registrar aqui algumas das frases que eu circulei nessa obra e que tiveram um impacto imenso na minha forma de pensar:
“O verdadeiro trabalho não é converter aqueles que nos odeiam, mas sim mudar o mundo de maneira que esses que odeiam não detenham um poder desproporcional.”
“Os poderosos se envolvem em camadas de indiferença para evitar a dor alheia e sua relação com essa dor. É deles que muita coisa se oculta, são eles que ficam longe dos espaços dos pobres e dos impotentes. Quanto mais você é, menos você sabe.”
“A desigualdade transforma todos nós em mentirosos, e só uma democracia no poder pode levar a uma democracia da informação.”
“Manipular e fazer abuso psicológico também é um fenômeno cultural coletivo e faz uma cultura sentir que está enlouquecendo, tal como sente uma vítima individual.”
“Cada vez mais, vejo o ritmo compulsivo, frenético das mentiras do presidente dos Estados Unidos como uma versão maníaca dessa prerrogativa de ditar a realidade. É uma maneira de dizer: ‘eu determino o que é real e vocês têm que engolir tudo, mesmo sabendo que é papo-furado’.”
“A igualdade também é uma arma contra as mentiras. Se o privilégio de ditar leva à ditadura, então a obrigação de prestar contas leva ao seu contrário.”
“[...] nós, mulheres, continuamos tendo que tranquilizar os homens, já que mesmo quando falamos da nossa sobrevivência devemos nos preocupar com que se sintam bem.”
“Quando minha mãe estava viva e com boa saúde, eu costumava dizer, brincando, que meu problema era ser ‘um filho perfeito’. Eu sentia que o que ela esperava de mim era profundamente diferente do que esperava de seus filhos homens.”
“Os bons escritores escrevem a partir do amor, por amor, e com frequência, seja diretamente ou não, pela libertação de todos os seres.”
E a minha preferida de todas, pra finalizar com um tapa de verdade em sua face: “Uma sociedade que não respeita a raiva das mulheres é uma sociedade que não respeita as mulheres.”
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