Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

'A Cachorra', de Pilar Quintana, é das melhores obras lançadas neste ano

Todos os temas que interessam reunidos em um livro conciso

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A cachorra

  • Preço R$ 34,90 (ebook R$ 22,90)
  • Editora Intrínseca, 160 páginas

Se você tem pretensões artísticas, vai se sentir humilhado (eu me senti) quando souber que Pilar Quintana escreveu essa obra-prima no celular, enquanto amamentava seu primeiro filho. A autora colombiana é uma das principais vozes da literatura latino-americana contemporânea e convidada da Flip deste ano –que ocorrerá em dezembro, on-line e aberta ao público.

Finalista do prestigioso National Book Award, na categoria literatura traduzida, este livro tão conciso quanto primoroso conta a história de Damaris, uma mulher pobre, negra e gorda que vive à margem de hotéis cinco estrelas na costa do Pacífico colombiano. Nessa existência precária, não encontra nenhum conforto possível para sua mente assombrada e seu corpo embrutecido, que vive à mercê de tempestades, calores intensos e infestações de insetos.

São breves 160 páginas inebriantes dando conta de temas gigantescos: uma infância traumática; a pobreza de afeto tornando ainda mais pungente a falta de recursos; mortes prematuras como feridas sempre abertas, úmidas e povoadas de vermes; a solidão materna (de todas as mulheres, sejam elas mães ou não) e, por fim, o potencial bestial em todos nós.

A cachora - Pilar Quintana
Obra 'A cachora', de Pilar Quintana, publicada pela editora Intrínseca - Reprodução

Esta obra, tão incomodamente honesta, merece que usemos ainda palavras simples e certeiras: a culpa, o rancor, a carência, a inveja. Poderosos sentimentos dispostos de tal forma magnética que você se lança, apesar do medo, na escuridão de suas páginas, com uma lanterna de pilha fraca, procurando algo pela selva do seu inconsciente, talvez com a esperança de encontrar o amor renegado por muitas décadas —assim como a protagonista se embrenhou tantas vezes pela mata perigosa e homicida, na expectativa de encontrar sua cadelinha Chirli, a quem alimentou com pão embebido em leite e deu o nome da filha que não pode ter.

Após tantas tragédias e abandonos em sua vida: “Aquela tinha sido sua cachorra: Damaris a tinha resgatado, carregado em seu sutiã, ensinou-a comer, a fazer as necessidades nos lugares adequados e a se comportar como devia até que ficou adulta e não precisou mais dela”, ela chorou até que, como lhe disse um homem sobre as mulheres de 40 anos, ficou seca.

“A Cachorra” não é apenas um dos melhores livros que li neste ano, mas um relato importantíssimo sobre desejo, dor e silenciamento femininos. Sobre o animal que nos habita. Sobre o entorno ora exuberante, ora selvagem que nos trucida, engole e cospe todos os dias. Torço imensamente para que suas outras obras, sobretudo os contos eróticos, sejam lançadas no Brasil. Pilar Quintana com certeza está entre os maiores autores de nosso tempo.

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