Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

É preciso estar pronto para Machado

E, nesse caso, é possível se deslumbrar em apenas dois dias

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O Alientista

  • Preço R$ 69
  • Autoria Machado de Assis
  • Editora Cobogó, 120 páginas

Para o Dr. Simão Bacamarte, o maior dos médicos do Brasil, a caridade é “o sal das coisas”. Desse modo, ele pode abrir mão até mesmo do reconhecimento financeiro e meter todos os malucos da região dentro da mesma casa, a fim de “estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal”.

Li “O Alienista” aos doze anos, obrigada pela escola. Achei chato, confuso, que tinha uma linguagem “de velho” e quase peguei recuperação em português. Por pouco não me tornei uma adolescente que detesta Machado de Assis, sendo salva no ano seguinte por Capitu e Bentinho (“Dom Casmurro” foi o primeiro grande livro de que gostei na vida).

Mas não estou aqui para contar que, já adulta, considerei “Memórias Póstumas de Brás Cubas” um dos meus livros preferidos nem que, mais recentemente, me apaixonei pelos contos de Machado em uma edição primorosa da Companhia das Letras –tampouco para ser mais uma a reforçar o coro dos que acreditam que certas obras obrigatórias na pré-adolescência só afastam os alunos da literatura–, e sim, finalmente, para dizer que neste último fim de semana, quase 30 anos depois, me reencontrei com o espetacular “O Alienista”.

Que criança (eu me considerava uma) está pronta para um personagem brilhante que divide os enfermos em furiosos e mansos? Para frases como: “A ferocidade, Sr. Soares, é o grotesco a sério?”; “frio como diagnóstico, sem desengonçar por um instante a rigidez científica”; e “os olhos empanados pela cogitação”?

Capa do livro 'O Alienista', de Machado de Assis, publicado pela editora Cobogó
Capa da obra 'O Alienista', de Machado de Assis, publicado pela editora Cobogó - Reprodução

Eu não tinha maturidade emocional para descrições perfeitas como “redobrou a expressão, deu relevo às atitudes”, e muito provavelmente tenha me passado batido o doente da cabeça que não dizia nada porque “imaginava que no dia em que chegasse a proferir uma só palavra, todas as estrelas se despegariam do céu e abrasariam a terra”.

Há gente que sofre por amor, que admira demais a própria riqueza, que é polido além da conta, que tem ideias tão bonitas, todos encarcerados na Casa Verde, “essa Bastilha da razão humana”, como conclama o barbeiro, líder dos Canjicas, arruaceiro-mor da rebelião contra o alienista.

Nos tempos da minha primeira leitura dessa obra, nem a frase famosa do Caetano, “De perto ninguém é normal”, fazia parte do meu repertório.

Você que acompanha esta minha coluna “É coisa fina” sabe que estou aqui para dar dicas dos melhores livros com até 200 páginas, obras para lermos em menos de uma semana a despeito da vida corrida e cansativa. E, sim, é possível dizer “li Machado de Assis em dois dias”. E isso, meu amigo, em tempos de indicadores obsessivos por imagens vazias do Instagram, vai te dar um prazer inenarrável.

Esta edição contemporânea da editora Cobogó é ilustrada com obras da artista visual Rivane Neuenschwander e conta com prefácio dos sociólogos Elton Corbanezi e Laymert Garcia dos Santos.

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