Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

Obra fototextual 'O infarto da alma' é diário de viagem que transcende literatura e poesia

Livro é o resultado do trabalho da fotógrafa chilena Paz Errázuriz com a escritora Diamela Eltit

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O infarto da alma

  • Preço 88 páginas
  • Autor Paz Errázuriz e Diamela Eltit
  • Editora IMS Editora, R$ 84,50

Ao longo da brilhante carreira da fotógrafa chilena Paz Errázuriz —que tem obras no acervo permanente de instituições como Tate e Reina Sofia, e atualmente uma retrospectiva da carreira no IMS Paulista—, todos os seus retratos buscam a inteireza e a dignidade de pessoas jogadas para debaixo do tapete da sociedade. Desde uma trupe de um circo precário, passando por lutadores amadores de boxe, idosos e prostitutas até uma etnia indígena em vias de ser extinta, são imagens grandiosas, em preto e branco, e a atmosfera é de tamanha intimidade e confiança, que a foto também nos acolhe em vez de somente provocar.

"O Infarto da alma", livro fototextual (ou seja, as imagens e o texto têm a mesma importância), é o resultado do trabalho de Paz com a escritora Diamela Eltit, sua conterrânea. Escrito na década de 90, ganha agora sua primeira edição brasileira, com tradução de Livia Deorsola.

Nele, lemos o diário de viagem de Diamela, que está acompanhando a fotógrafa Paz Errázuriz em um hospital psiquiátrico da cidadezinha de Putaendo, a duas horas de Santiago do Chile, e conta que o manicômio recebeu pacientes de vários lugares do país, muitos deles indigentes e catalogados como N.N. —abreviação de "nomen nescio", expressão latina para uma pessoa anônima ou sem identificação.

Obra fototextual 'O infarto da alma', de Paz Errázuriz e Diamela Eltit
Obra fototextual 'O infarto da alma', de Paz Errázuriz e Diamela Eltit - Reprodução

Eu fiquei buscando seus nomes, achando que isso daria ainda mais existência e respeitabilidade a esses indivíduos à margem, mas depois entendi que a grandeza é que os vejamos como humanos apenas, assim como nós.

Algumas imagens e textos nos contam sobre mulheres que mostram sua cicatriz, a marca de sua esterilidade, mulheres castradas "da operação antiga e sem consulta que lhe cerceou para sempre a capacidade reprodutiva", mas que ao mesmo tempo clamam por uma mamãezinha e dizem sonhar com um bebê, uma casa e uma família.

Diamela já vira as fotos que "Tia Paz" fizera após um bom tempo de convívio com esses asilados do hospital, e pensou que não se surpreenderia muito ao conhecê-los. Mas assim que passou a entendê-los como pares siameses/duplas amorosas "e quando já não cabe indagar sobre o desprestígio daqueles corpos, quando sei que eu jamais poderia dar conta da exiguidade na qual uma vida humana pode transcorrer, quando estou certa de que mal possuo umas poucas palavras insuficientes, aparece o primeiro casal de apaixonados", e assim que duas mulheres, uma delas idosa, grudaram respectivamente em seus braços e pernas e passaram a beijá-la e chamá-la de mamãezinha, a escritora entendeu que precisaria de muitos recursos para exprimir o tamanho do que estava vendo e sentindo.

E, sorte de seus leitores, o que encontramos nesta obra é mais do que literatura, poesia, entrevista, descrições, sonhos e psicanálise; Eltit precisou da sua própria loucura pra dar conta do recado: "Assim nós duas entramos no edifício, abertas à profundidade da nossa própria insanidade [...]".

Obra fototextual 'O infarto da alma', de Paz Errázuriz e Diamela Eltit
Obra fototextual 'O infarto da alma', de Paz Errázuriz e Diamela Eltit - Reprodução

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