Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

Enclausurados feito hamsters

'O Diário de Edward, o Hamster', lançado em 2019 pela Todavia, é o quadrinho perfeito para o momento

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O Diário de Edward, o Hamster (1990-1990)

  • Preço R$ 34,90
  • Autor Miriam Elia e Ezra Elia
  • Editora Todavia, 96 páginas

É preciso ficar em casa —mas também admitir o quão insuportáveis podem ser os dias nesta infinita pandemia. Tem momentos em que sinto, diante de minha condição roedora (e quem não anda neurótico neste país?), sufocada por uma gaiola, comendo para além da minha fome e correndo insistentemente em uma roda que não sai do lugar.

Foi nessa vibe delícia que encontrei “O Diário de Edward, o Hamster”, perdido pela estante. A obra, pequena em tamanho e gigante em angústia, foi publicada originalmente em 2012, lançada pela Todavia há dois anos e, no entanto, me parece perfeita para a atualidade.

Criado pelos irmãos londrinos Miriam Elia e Ezra Elia (tudo começou com uma série de rádio para a BBC chamada “A Series of Psychotic Episodes”), Edward não faz o tipo solar, tampouco é simplório em seus pensamentos. Ele quer mais da vida e, sobretudo, deseja ter um interlocutor para sua treva existencial.

Livro 'O Diário de Edward, o Hamster', de Miriam Elia e Ezra Elia
Livro 'O Diário de Edward, o Hamster', de Miriam Elia e Ezra Elia - Reprodução

Apesar disso, se vê obrigado a viver a mais estúpida das rotinas, o que o induz a escrever como uma tentativa de escapar das banalidades massacrantes do cotidiano. O problema é que o filósofo Edward é, antes de mais nada, um hamster —preso, portanto, a seu estado limitante. Sobre a roda, reflete: “Ela não tem propósito”, mas sua natureza o leva a usá-la, bem como a comer sementes e a beber água. Todos os dias, o tempo todo.

Quando tenta fazer greve de fome em nome da liberdade, o sacrifício não dura mais do que breves minutos: “De que vale um hamster morto para a Resistência?”.

Lendo o livro podemos pensar na quarentena que já dura uma “trezentena” e na população oprimida de um país (“um sistema falido”) liderado por um antidemocrata. Contudo “Edward não é meramente um hamster, é um estado de espírito” —então eis aqui o diário de qualquer ser vivo que carrega, na alma, seu próprio quinhão de dor e ânsia.

Edward observa um gato sentado estático à janela: “Conte-me: você usa drogas?”. Depois de alguma insistência para um bate-papo, descobre tratar-se apenas de um “ignorante e bruto”, concluindo: “A ele é permitido vagar com liberdade, pois as grades estão dentro da sua própria mente”. Quando enfim tem a chance de conviver com um colega de cela, outro hamster, e se enche de expectativa para que seja um “philosophe”, mais uma vez se decepciona: “Tentei incitá-lo a discutir a natureza do nosso cativeiro, o vazio da vida e a irracional vontade de viver… ele arrotou, riu e defecou…”.

Não quero dar mais spoilers, mas aí vai uma esperança: antes do fim, sim, ele encontra o amor.

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