Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

Pegando o touro pelos cornos

Entendi profundamente a solidão de ser uma romântica no capitalismo

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Eu não entendo quase nada de poesia. Sei que Drummond é meu preferido. Sei que "Faz escuro, mas eu canto", do Thiago de Mello, sempre me leva às lágrimas. Sei que ter uns versos decorados daquele "A arte de perder", da Bishop, pegava bem em festas (mas depois cancelaram a Bishop). Sei que "Para uma menina com uma flor", do Vinicius de Moraes, me ajudou a conquistar um rapaz quando eu tinha 23 anos. Sei que "["¦] e ir ser selvagem, por entre árvores e esquecimentos" é o que eu costumo responder quando meu analista me pergunta o que eu quero. Sei que acho a Ana Martins Marques perfeita e a maior poeta do país. Sei que o Gregorio Duvivier é ótimo porque, com devoção e respeito, debocha da sua verve poética. Sei que adoro tudo do Fabrício Corsaletti, incluindo ele próprio.

Fora isso gosto de mais uns cinco poetas mortos e odeio com gosto 98% da poesia que cai na minha mão. Se rima por rimar me irrita, se não tem dancinha nenhuma no meu gogó me decepciona, se fala o óbvio me dá um nervoso horrível, se é erudita demais me dá náusea, se foi métrica e milimetricamente ponderada em vez de cuspida por um engenheiro-poeta eu preferia ter caspa, se faz ode às coisas da natureza eu preferia apanhar, se o poeta isola do nada a palavra "afeto" em uma linha eu tenho vontade de morrer. E foi isso que eu disse à minha amiga Ruth Manus na Livraria da Tarde, em Pinheiros. "Não, não vou comprar, eu não sou da poesia. Poesia ou é excelente ou é medíocre, não tem meio termo, não vou comprar." Mas ela insistiu, e eu comprei.

Capa do livro 'Chifre', uma planta em tons de rosa e roxo sobre um fundo rosa
'Chifre', da autora Adelaide Ivánova - Divulgação

Li "Chifre" em duas horas. Senti um tesão louco imaginando a autora, com axilas desopilantes pelos trens da Europa, indo atrás de um homem tão jovem quanto livre. Sofri cada verso dos seus poemas sobre ciúme e separação. Entendi profundamente a solidão de ser uma romântica no capitalismo. Me vi em seus disparates desejosos que tanto comem quanto afugentam pessoas. Almejei ser comunista militante, morar em Recife e ir com ela a todas as reuniões por um mundo melhor.

Vibrei com "solidão deve ser isso, não ter a quem dedicar um poema" e também com "costuraria de paranoia tuas fronhas" e com "foi horrível te deixar tentando causar comoção ou estrago já que você nem notou" e com "a migalha de cada dia me dê hoje" e com "você que representa ao mesmo tempo útero e exílio que me fez ao mesmo tempo fugir e voltar pra casa" e ainda com "machismo é o filho caçula do capitalismo... onde mora #nemtodohomem mas certamente todo macho".

Estou apaixonada por Adelaide Ivánova (pedi até amizade no Instagram). Ela não faz "rimas ricas" (a própria poeta é quem diz isso), mas é uma escritora de (e da) verdade. Esta também não é uma resenha clássica, um texto com os padrões que se esperam de uma crítica literária. Não entendo nada de poesia nem de crítica literária. Mas sei me atracar com um livro honesto, destemido, sangrando, que pede socorro ao mesmo tempo que sustenta nosso corpo. A voz urgente de quem de fato tem uma. Ter uma voz é raro. Talvez eu goste de poesia.

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