Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

O oposto da morte não é a vida, é o sexo

Em obra de teor autobiográfico, Milena Busquets explora o luto e crava seu lugar na literatura mundial

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Isso Também Vai Passar

  • Preço R$ 49,90 (144 págs.)
  • Autoria Milena Busquets
  • Editora Companhia das Letras (2016)
  • Tradução Joana Angélica D Melo

Um dia a mãe de Blanca, tentando consolar a filha que chorava a morte do pai, lhe contou a fábula de um poderoso imperador que estava em busca de uma única frase que servisse a toda e qualquer situação da vida. Meses depois, os sábios convocados pelo soberano lhe trouxeram uma resposta: "Isso também vai passar". E explicaram que tal oração, apesar de curta e direta, servia tanto para os momentos de dor e de pesar, como para os de euforia e felicidade.

Neste romance, lançado pela Companhia das Letras em 2016 e celebrado em mais de 30 países (nunca é tarde para indicar um livro tão comovente e que traduz de forma tão honesta e brilhante uma geração), a narradora, Blanca, faz uso da máxima "isso também vai passar" para tentar aliviar sua dor pelo recente falecimento da mãe. Segundo a narradora, foi essa mulher que a educou "tão feroz e eficazmente contra qualquer tipo de submissão não lúdica que eu nem precisei virar feminista" e que lhe ensinou "o amor à arte, aos livros, aos museus, ao balé, a generosidade total com o dinheiro, o grande gesto nos momentos adequados, o rigor nas atitudes e nas palavras e a mais absoluta falta de sentimento de culpa e a liberdade e a responsabilidade que ela implica".

Uma jovem mulher de biquíni e cabelos presos entra em um mar cristalino verde. O nome do livro está escrito em letra cursiva sobre o mar
Capa do livro 'Isso Também Vai Passar', de Milena Busquets, lançado pela Companhia das Letras em 2016 - Divulgação

Desafiando alguma verdade psicanalítica que pensa ser universal, Blanca diz que jamais buscou o pai em outros homens. Era sempre a mãe, que ela repete inúmeras vezes ter sido seu maior e único amor, que ela perseguia, mesmo enquanto essa era viva. E agora, tendo que equilibrar um luto que lhe dá vontade de "arrancar e comer as próprias entranhas" com um verão escandalosamente bonito na casa da mãe em Cadaqués, cidade praiana, no norte da Catalunha (a duas horas de Barcelona e pertinho da fronteira com a França) Blanca se cerca de alguns homens importantes e eternos (os pais de seus dois filhos, por exemplo) e outros, assim como mais uma vez indica o nome do livro, cuja importância também não deve durar muito tempo: um romance de verão antigo, um bonitão misterioso, um amante casado e mais flertes. Para a narradora "o oposto da morte não é a vida, é o sexo", e ainda, falando com a mãe (que é como é escrito todo o livro): "desde que você morreu, e até antes, tenho a sensação de que ando me limitando a furtar amor, a me satisfazer com a menor migalha que encontro pelo caminho, como se elas fossem pepitas de ouro.

Além da dança entre pulsões extremas, com cores, recordações, sombras, idades, repetições e esgotamentos tão lindamente traduzidos pela escrita poética, afiada, ingênua, romântica, irônica, rápida, livre, obsessiva e precisa de Milena Busquets, a capacidade da autora para dissecar tudo ao seu redor, desde uma ruazinha até a personalidade e a vestimenta dos muitos acompanhantes que seguem com ela para Cadaqués é invejável. Em poucas palavras, suas duas melhores amigas ("Elisa equilibra uma linda bunda com uma mente brilhante e superanalítica de filósofo existencialista francês que nunca descansa" e "Sofía transforma tudo em algo frívolo e festivo que gira ao seu redor"), as crianças, a empregada da casa e até os cachorros parecem tomar uma forma tridimensional e complexa na nossa frente.

Apesar de um mar que parece ter recebido todas as estrelas do céu, e de os olhos dos leitores quase arderem imersos em descrições perfeitas de um verão abundante de luzes e quase amores, este é também um livro sobre a mais ferrenha melancolia e a mais taciturna solidão. Quando a dor é tão grande que, na impossibilidade de aceitar que nunca mais teremos o outro, nos tornamos o morto. Momento em que é impossível habitar qualquer lugar e qualquer corpo: "me enfio na cama como se me enfiasse num caixão"; "a morte, tão perversa, nos expulsa de todos os lugares".

Mas Milena Busquets, através deste livro sabidamente autobiográfico, fincou seu lugar na literatura mundial, sendo considerada pelo Le Monde, na época, a porta-voz de uma geração. Blanca, a personagem, por sua vez diz pertencer a uma "geração perdida de sedutores natos", aquela que precisou ralar muito na infância para ter a atenção de adultos brilhantes, bem-sucedidos, muito ocupados e empenhados "em que o mundo fosse uma festa, a festa deles".

Triste constatar que, caso você dê um Google nas resenhas aqui no Brasil e no exterior, ocorre de somente alguns homens não gostarem da obra. Um livro sobre uma mulher de sexualidade livre ainda pode incomodar muito e no mundo inteiro, não é mesmo?

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