Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

A boa alma do influencer

É o cara que coloca seus atos, frases e comportamentos numa espécie de bolsa de valores

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Segundo o dicionário, só existe um tipo de boa índole: aquela com a qual nascemos. Mas tudo mudou recentemente, com a invenção da profissão do influencer mercantil.

O influencer mercantil, nome que eu acabei de inventar (mas existe aos montes), é qualquer pessoa, desde que seja 1- sem talentos além da aptidão pra ganhar dinheiro e enganar pessoas; 2- preocupadíssima em não sofrer cancelamento; e 3- dinheirista a ponto de amar o que faz mesmo odiando. Com caráter ou não, vivendo dentro dos preceitos de respeitar outros seres vivos ou não, o influencer mercantil precisa, necessariamente, parecer que é tudo isso ou não fecha as contas do mês. É a pior (e mais incivil) atualização que poderia existir do conceito de boa gente. É o cara que coloca seus atos, frases e comportamentos numa espécie de bolsa de valores e aposta sempre em ser o mais falso possível, para "custar" cada vez mais.

Mulher branca de longos cabelos cacheados tirando selfie sentada em um pufe
Unsplash

Não se iluda, aquele sorrisinho aparentemente sincero com a piadinha amigona não é pra levar um conteúdo maneiro pra você. O influencer mercantil caga pra você. Ele te chama de "engajamento" e te transforma facilmente em cifras. É comum vê-lo cercado de um entourage semelhante, ou seja, gente que não presta pra muita coisa, mas tem a inteligência voltada com maestria para a própria ambição. É o cara que vive de convencer trouxas que a sua rotina superficial e desinteressante importa mais do que ler o jornal.

Ele não quer dividir com você suas últimas reflexões sobre o estresse, ele só quer o dinheiro da marca de creme para pálpebras cansadas e planeja, desde novinho, garrar amizade apenas com um gigante formado por moedas de ouro. Um monstro reluzente que vai protegê-lo de ser atacado pelo seu maior medo: a própria mediocridade.

Não importa se nasceram sociopatas ou se foram criados em um ambiente que propiciou o alargamento da sua assustadora incapacidade empática, importa que eles passem o dia na internet parecendo fofos, legais, genuínos. Tudo é calculado pra que você engaje em sua versão "amigão íntimo que vai te dar a real". O cabelo, os óculos, o boné, a roupa, a voz.

Sigo um monte de gente que ama ler. Quer viver dos livros e para os livros. Nada mais natural, aproveitando as ferramentas que o mundo moderno disponibiliza, que esses pelejadores contra mentes estreitas sejam influenciadores literários.

Sigo um monte de especialistas em moda, que me ensinam a consumir com inteligência e responsabilidade e dão dicas preciosas para que eu consiga superar o meu impulso boicotador de estar sempre malvestida. Profissionais que, no mundo real (e aqui também incluo a internet), exercem empregos legítimos que lhe dão prazer e para os quais estudaram um tempo.

Sigo ainda canais de maternidade, medicina ayurvédica, psicanálise ou apenas honestíssimos geradores de conteúdos de humor. Mas qual é o emprego de quem passa o dia inteiro forçando carisma pra vender produtos e marcas? De gente que se diz feminista (mas odeia mulher) porque engaja, se diz amante das plantas (mas seca a pimenteira de qualquer concorrente) porque engaja, se diz porta-voz da vida saudável (mas tem o fígado podre de rancor e fome de vingança) porque engaja? Se acabar hoje o Instagram, pra que porra essa pessoa serve ou serviu um dia?

Influencer mercantil é a profissão da pessoa que faz um vídeo de uma hora falando bem da calcinha feita do farelo de unha reciclada de um convento de freiras comunistas cegas que vivem de mantras e que faz isso pensando em ter dinheiro suficiente pra subir um prédio no lugar do convento e mandar matar as freirinhas. O influencer mercantil é a foto da capa da merda em que nos metemos na última década. O nada que ensina nada que emociona nada que transforma nada que não tem nada a dizer.

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