O que você imagina que pode acontecer com as redes sociais de uma especialista internacional em desinformação e democratização que escreve um livro extremamente contundente, corajoso, esclarecedor e expositivo contra o machismo e com o intuito de fortalecer outras mulheres para combater ataques virtuais? Exatamente isso. Nina Jankowicz, para quem "ser uma mulher online é um ato, em si, perigoso", passou a ser um alvo ainda mais escancarado de ofensas misóginas e ameaças físicas.
A primeira lição é tão triste quanto sagaz. Como explicar para amigos e familiares com pouca relevância nas redes que você, uma mulher que precisa delas para pesquisar e divulgar seu trabalho, sofre ofensas diárias e precisa de uma rede de apoio para suportar e não adoecer seriamente? Nina inventa um cenário fictício: no trajeto da sua casa até o seu escritório, precisa fugir de "admiradores" (ou ignorá-los, ou expô-los ou ter forças para seguir em gente) que computam suas rugas, opinam sobre a idade do seu útero e dizem coisas como "aprenda a arte do boquete e faça alguma coisa de útil nessa sua vida de merda!".
Pior, para a autora, é ainda ter que ouvir de tanta gente (incluindo colegas do sexo feminino) que as mulheres que contestam e denunciam esses ataques são "rainhas do drama" e que, já que são tão inteligentes e fortes e feministas, deveriam apenas ter pena desses homens "patéticos sentados de cuecas no porão da casa da mãe". Alguns dos seus trolls já lhe disseram: "não sabe brincar, não desce pro play".
Mas para Nina este não é um preço a se pagar por ser reconhecida e bem-sucedida, que se expõe e provoca: "Chega de aceitarmos que o assédio às mulheres seja apenas o custo de seu engajamento na mídia social ou, pior, que as mulheres devem suportar o assédio e silenciar em nome da "liberdade de expressão".
A obra traz muitas das pesquisas e experiências de Jankowicz, mas também conta as histórias de Cindy Otis, ex-analista da CIA; Nicole Perlroth, jornalista do New York Times e Van Badham, dramaturga e ativista. Da conversa entra elas, fica mais claro quando devemos, ao ser atacadas no Twitter, Facebook ou Instagram, escolher a vingança ou o bloqueio. Com destaque para a maravilhosa teoria sobre os difamadores que têm "tesão em engajamento".
Grifei compulsivamente as partes em que Nina conta como inventaram um personagem odiável para sua amiga Van (e a internet amou defenestrar aquela persona tal qual uma protagonista de televisão) e sobre a sua conclusão de que todos que querem te calar (e matar virtualmente) desejam doentemente ocupar o seu lugar.
Leitura obrigatória para quem quer saber como ser autêntico na internet sem correr risco de vida, como proteger melhor suas senhas ou a hora de procurar ajuda para um antidoxxing. A edição brasileira, pela editora Vestígio, conta ainda com a apresentação gloriosa de Patrícia Campos Mello, repórter especial deste jornal. Pata conta detalhes da violência que sofreu na internet, depois que o presidente Bolsonaro (aê, desgraçado, perdeu, já vai tarde, ops, vamos voltar para a resenha) autorizou e mobilizou seu gado a disseminar fake news torpe e de cunho sexual contra a jornalista.
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