Terra Vegana

Luisa Mafei é culinarista e professora de cozinha a base de vegetais

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Críticas ao leite, queijo e hambúrguer veganos ignoram nossa humanidade

Temos o direito de chamar aquilo que comemos com os nomes de sempre sem criar polêmicas desnecessárias

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Você já deve ter escutado ou feito questionamentos como: “Mas se é de aveia, porque você chama de leite?”, “Castanha? Queijo não é só de vaca e de ovelha?”.

Ou ainda, certas “verdades” culinárias: "Ah, isso não é manteiga, é um creme vegetal” e “Jaca é fruta, não é carne”.

Essa vegana que vos escreve implora: não nos tirem o prazer de ter carne no prato, queijo no sanduíche e leite no café. Não há nada de falacioso em querer emprestar –e, em muitos casos, devolver— essas categorias de alimentos para o reino vegetal.

Há algum tempo, compartilhei no meu Instagram certos leites vegetais que podemos preparar em casa. Atraí uma multidão de haters que alegavam que eu estava enganando meus seguidores. E que me disseram que, se eu quisesse consumir e ensinar a preparar bebida vegetal, estava tudo certo. Mas que eu não chamasse aquilo de leite.

O leite de coco conseguiu passar uma vida inteira disfarçado na garrafinha, danado. Já o meu leite de coco caseiro, ao lado do de aveia e do de amêndoas, não tiveram a mesma sorte.

A tentativa de silenciar quem quiser chamar de leite o líquido extraído de castanhas, sementes, grãos e cereais não é um ato isolado. Os meus haters estão por toda parte, com argumentos mais ou menos sofisticados.

O argumento mais óbvio é o de que só pode ser chamado de leite a bebida extraída de glândulas mamárias. Essa explicação não dá conta do aspecto simbólico do leite, e ignora o fato de que nossos hábitos alimentares existem para além das nossas necessidades fisiológicas.

Não fosse assim, não teríamos porquê beber leite após a infância. Se seguimos bebendo, é, entre outros motivos, porque isso nos traz certo conforto. Um lugar seguro e afetivo que quero continuar habitando sempre que eu disser leite de aveia, leite de amêndoas, leite de soja, e não na aridez de expressões como bebida à base de aveia, preparado de amêndoas e água ou bebida vegetal à base de soja.

Já a principal argumentação da indústria de laticínios é a de que o emprego de palavras como leite, queijo e iogurte em produtos que não sejam laticínios animais confunde o consumidor.

Está circulando no parlamento europeu uma emenda que visa restringir a nomenclatura de produtos lácteos. Na primeira rodada de votação, o resultado foi de mais votos favoráveis do que os contrários às restrições.

Caso aprovada, a emenda 171 proibirá que fabricantes de alimentos e bebidas vegetais escrevam a palavra leite nas embalagens —ainda que seja para apresentar o produto como uma alternativa ao leite da vaca. Nem mesmo uma imagem ilustrativa de um líquido branco poderá ser utilizada.

Hambúrgueres e salsichas vegetais também não vão se safar dessa. Parece-me que “discos” e “tubos” soam mesmo muito apetitosos.

No Brasil, produtores de derivados de origem animal também já começaram a mexer seus muitos pauzinhos a fim de exigirem leis específicas para os produtos de derivados de origem vegetal. O argumento? O mesmo dos haters: não gerar confusões e não correr o risco de enganar alguém.

Segundo pesquisa recente realizada pelo GFI, oThe Good Food Institute, junto ao Ibope, 59% de brasileiros afirmaram ter incluído alternativas vegetais na alimentação nos últimos 12 meses. Assumir que esses consumidores tenham sido enganados me parece subestimar nossa inteligência e a capacidade de fazermos boas escolhas.

Tirar dos veganos, dos consumidores e da indústria o direito de chamar aquilo que comemos com os nomes de sempre é tentar nos destituir de parte da nossa humanidade. A comida é um elemento decisivo da identidade de qualquer sociedade, e podemos seguir nos alimentamos com tudo aquilo que sempre comemos, em versões vegetais.

Omitir todas as possibilidades que a culinária vegetal nos oferece com falsos dilemas de nomenclatura é sim o que pode gerar confusão.

Fico imaginando a seguinte cena em um passado pré-pandêmico: convido minhas amigas para jantarem em casa no sábado a noite. Elas me perguntam se precisam levar algo e eu digo "tragam o que quiserem beber".

Adianto o menu para ajudar na harmonização: vou preparar um aglomerado de feijão e cogumelos. Vou servir ele no pão com creme de abacate, com uns chips para acompanhar.

Tenho certeza de que elas fugiram, usando como desculpa até o batizado de capoeira da avó. Agora, se eu dissesse simplesmente “vamos comer um burguer vegano com maionese de abacate e chips de batata doce”, as chances delas aceitarem o convite aumentariam, concordam?

Deixo vocês com a receita desse combo, para que tirem suas próprias conclusões. Eu seguirei chamando de hambúrguer com boca cheia.

Hambúrguer de cogumelos e feijão preto

Rende 6 hambúrgueres.

Ingredientes

  • 2 xícaras de feijão preto cozido e escorrido.
  • 1 xícara de arroz integral cozido.
  • 1 cebola cortada em rodelas finas.
  • 250 g de cogumelo fresco (paris, marrom, shimeji ou shitake).
  • 1 colher de sopa de shoyu.
  • ½ xícara de farinha de mandioca.
  • ¼ xícara de polvilho doce.
  • 10 borrifadas de fumaça líquida (opcional)
  • Azeite, o quanto baste.
  • Sal, o quanto baste.

Preparo

  1. Pré-aqueça o forno a 200 graus. Corte os cogumelos em quatro e transfira para uma assadeira. Regue com um fio de azeite e acrescente uma pitada de sal. Envolva bem os cogumelos no tempero e leve para assar por 30 minutos.
  2. Aqueça uma frigideira com um fio de azeite. Em seguida, acrescente a cebola e refogue. Diminua o fogo para médio-baixo e refogue até ficar bem douradinha.
  3. Acrescente o shoyu na frigideira, mexa e desligue o fogo.
  4. Acrescente no processador de alimentos (ou no copo do mixer de mão/liquidificador) o feijão e arroz cozidos, os cogumelos assados e a cebola caramelizada. Caso utilize a fumaça líquida, acrescente nessa etapa. Processe até obter uma massa quase homogênea - é interessante obter uma textura com uns pedacinhos maiores de feijão e de cogumelo.
  5. Transfira a massa para uma tigela e acrescente a farinha e o polvilho. Misture bem e ajuste o sal.
  6. Modele os hambúrgueres com um aro ou com as mãos.
  7. Leve para grelhar de ambos os lados em uma frigideira com azeite em fogo médio-baixo por 4 minutos. Para ajudar a cozinhar o interior do hambúrguer, tampe a frigideira.

Dicas

O hambúrguer cru e modelado pode ser congelado por até 2 meses. Para congelar, disponha o hambúrguer dentre duas folhas de papel vegetal para que ele não grude no pote ou em outros hambúrgueres. Descongele na geladeira por 24 horas antes de usar.

Os hambúrgueres podem ser assados ao invés de grelhados, no forno a 200 graus por
30 minutos, virando de lado na metade do tempo.

Maionese de abacate

Ingredientes

  • 1 abacate do tipo avocado maduro
  • ½ colher de sopa de mostarda dijon
  • ½ limão espremido
  • ¼ xícara de azeite extra virgem
  • 1 dente de alho pequeno, sem o miolo
  • Salsinha a gosto (pode ser coentro ou cebolinha)
  • Sal a gosto

Preparo

  1. Acrescente todos os ingredientes no liquidificador ou mixer de mão
  2. Bata tudo e está pronto

Chips de batata doce com páprica

Ingredientes

  • 1 batata doce média
  • 1 colher de chá de páprica defumada
  • ½ colher de chá de orégano
  • 1 ½ colher de sopa de azeite
  • Sal a gosto

Preparo

  1. Pré-aqueça o forno a 180 graus
  2. Corte a batata doce em rodelas bem fininhas. Se tiver uma mandolina, ajuda bastante
  3. Acrescente a batata fatiada, o azeite e os temperos na assadeira. Esfregue suavemente cada rodela de batata, para que todas fiquem temperadas e lambuzadas de azeite
  4. Disponha as batatas lado a lado na assadeira, sem sobrepor
  5. Leve para assar por 35 minutos (ou até ficarem douradinhas e crocantes) virando de lado na metade do tempo

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