Terra Vegana

Luisa Mafei é culinarista e professora de cozinha a base de vegetais

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Descrição de chapéu clima mudança climática

É impossível falar sobre crise climática sem olhar o nosso prato

Seguimos a vida enquanto nos escusamos da responsabilidade sobre o clima

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Já faz tempo, mas lembro como se fosse ontem, o dia em que passei a fechar a torneira enquanto tomava banho. O ano era 2001 e não chovia, ou, se chovia, era muito pouco, e corríamos o risco de ficar sem eletricidade em casa, nas escolas e nos hospitais.

Trocamos as lâmpadas incandescentes pelas mais econômicas, deixamos de tomar banho de mangueira no quintal da avó e passamos a guardar a água do banho para regar as plantas.

Andar na rua e se deparar com alguém lavando a calçada em frente a um prédio era uma afronta, e as placas de “a água utilizada pelo condomínio é de reaproveitamento” se multiplicaram, assim como as multas e os olhares de reprovação dos transeuntes.

Apagar as luzes mais cedo e tomar banhos mais curtos foram sacrifícios que topamos fazer coletivamente, e fui uma daquelas adolescentes que, desculpem a intimidade, nem descarga dava —era apenas uma por dia.

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Funcionários em outubro de 2020 tentavam controlar foco de incêndio na fazenda Santa Tereza, no Pantanal do Mato Grosso do Sul, que teve 60% de sua área consumida pelo fogo - Lalo de Almeida/Folhapress

Vinte anos depois, é pena não termos conseguido criar em nossas mentes uma imagem com os mesmos contornos palpáveis do “apagão” para a crise climática em curso. O relatório do Painel do Clima divulgado essa semana nos coloca frente a dados, previsões e estatísticas alarmantes, mas incapazes de gerar um impacto emocional que nos leve à ação.

Tudo parece distante demais de nós, e qualquer esforço individual que possamos fazer para reduzir as emissões dos gases-estufa parece pouco.

Na falta de um direcionamento político objetivo como “fechem a torneira e apaguem as luzes” para conter os cataclismos do presente e do futuro, seguimos nossas vidas como se nada estivesse acontecendo, enquanto escusamos nossas mãos de qualquer responsabilidade sobre o clima.

Ao longo das duas décadas que se seguiram a 2001, troquei a sacola de plástico pela de pano, o carro pelo transporte público, o absorvente descartável pelo copinho reutilizável, o arroz e feijão embalados pelos grãos a granel.

Até a borra do café eu cheguei a reaproveitar, com esfoliações na pele e panquecas que só aumentaram minhas rosáceas e azia, gerando o consumo de mais cremes dermatológicos e o desperdício de ingredientes culinários.

Salvar o mundo é uma tarefa heroicamente trágica.

Foi apenas aos 29 anos que comecei a flertar com o veganismo, sem ver àquela altura nenhuma relação entre a minha escolha pessoal e a nossa sobrevivência humana enquanto espécie.

Optei por esse caminho por dois motivos: pela minha saúde e por não querer mais compactuar com a exploração de animais para o consumo humano. O meio ambiente não entrou na equação inicial, embora hoje seja a principal motivação para seguir meu caminho (imperfeito) dentro do veganismo.

É impossível falar de crise climática sem olhar para o nosso prato e, nesse sentido, o veganismo pode ser um horizonte para o qual coletivamente caminhamos, cada um ao seu tempo e dentro das suas possibilidades.

Pode soar quase ingênuo afirmar que cortar ou ao menos reduzir significativamente o consumo dos produtos de origem animal é a medida mais efetiva que podemos adotar para salvar não apenas os animais, mas as nossas próprias vidas, e a das gerações futuras.

Tivesse eu escutado isso há cinco anos, pensaria: “que vegana mais arrogante, se acha a nata do leite de soja, o último biscoito de chia do pacote da ética”. Cortaria imediatamente a conversa, ou responderia de boca cheia para defender que a carne mastigada tem selo ambiental da Amazônia, com licença, obrigada.

Pouco importa para a atmosfera se o boi tem certificado orgânico e ecológico. Ele continua sendo um boi, que rumina, e —é para chorar, mas pode rir— solta muitos puns e arrotos. O gado é a principal fonte de emissões de metano do mundo, segundo relatório da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.

Todo gesto importa quando o assunto é reduzir as emissões dos gases-estufa, mas pouco tem sido falado sobre a enorme contribuição que podemos fazer no café da manhã, almoço e jantar, todos os dias, ao optarmos pelos alimentos de origem vegetal.

O metano e o óxido nitroso são, depois do carbono, os gases-estufa que mais predominam na atmosfera.

Se considerarmos que a agropecuária é responsável por 37% das emissões de metano e 65% das emissões de óxido nitroso, poderemos nos perguntar quem são os principais agentes das alterações climáticas, e enxergar, a cada refeição, a principal renúncia que precisamos fazer enquanto sociedade para continuar habitando esta terra redonda.

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