Terra Vegana

Luisa Mafei é culinarista e professora de cozinha a base de vegetais

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Terra Vegana

Parem de humilhar os vegetais

Me enviem mimos que saíram da terra, e não do laboratório

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A pandemia nos colocou, em maior ou menor assiduidade, na cozinha de casa. À uma altura dessas —o que era para ter durado 15 dias ainda não acabou— estar na cozinha já não tem nenhum glamour, se é que teve algum dia.

No meu caso, fui transferida da cozinha profissional para a de casa. Sem a menor possibilidade de exercer o meu ofício perante o público, comecei a fazê-lo nas redes sociais.

A partilha quase diária de receitas e dicas para uma cozinha prática e à base de vegetais passou a atrair a atenção de marcas que enxergaram no termo “plant-based” um belo filão de mercado.

Rapidamente, as caixas de hambúrgueres, nuggets, e outros substitutos vegetais de carne, frango e peixe começaram a chegar em minha porta. O bilhete dizia “esperamos que você goste”. Leia-se: “esperamos que você poste”.

Provei alguns produtos, outros não tive vontade (ou coragem).

Um dos maiores medos que tive ao longo da minha transição para o veganismo foi o de não poder comer coxinha, feijoada, sushi e outras comidas caras ao meu estômago. Tentei recriar essas e outras comidas afetivas com os substitutos vegetais que me foram enviados, e, honestamente? Não consegui chegar aos mesmos resultados satisfatórios que conquistei com receitas de fato baseada em plantas, e não em artimanhas da engenharia alimentar.

Assim sendo, dispenso a linguiça que não é de porco, dispenso o porco também, e fico com o tofu defumado na feijoada. Já para o sushi, passo longe do “salmão” à base de ultraprocessados, digo, de plantas, e banco o trabalho de congelar e descongelar a melancia marinada para fazer as vezes do atum no niguiri.

Eu me proponho desde já a ser garota propaganda da beterraba —sem cobrar cachê.

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Maço de legumes e vegetais - Luisa Mafei

Mas, aparentemente, esse vegetal é muito mais lucrativo quando processado, pulverizado e transformado no corante natural do hambúrguer —que de natural mesmo só deve ter o pózinho roxo.

De resto, é um aglomerado de proteínas vegetais isoladas acrescidas de celulose, metilcelulose, maltodextrina e outros ingredientes cujos nomes somos incapazes de pronunciar.

Não quero com isso defender que todos os produtos da indústria plant-based sejam ultraprocessados, mas sob o guarda chuva do termo “plant based” existe muita comida com baixo valor nutricional com uma falsa roupagem saudável.

Existem, no entanto, boas marcas no mercado, sobretudo marcas pequenas, nas quais podemos reconhecer um critério seguro que faz jus ao selo de “natural” da embalagem: uma lista de ingredientes composta por alimentos que todos nós temos, ou poderíamos ter em nossas despensas.

Como diria Michael Pollan em seu pequenino e instigante livro "Saber comer" : “Não coma nada que a sua bisavó não achasse que era comida”.

Hambúrguer de grão de bico com cenoura, nuggets de legumes, almôndegas de lentilhas… por que será que essas opções não podem ser tão atraentes e tão vendáveis quanto aquelas que buscam reproduzir o sabor e a textura da carne?

Por que é que os vegetais precisam sofrer essa humilhação toda para que pareçam ser algo que não são?

Levei bronca das marcas por nunca ter mostrado os produtos enviados em minhas publicações. Parem de humilhar os vegetais, eu imploro.

Enviem à minha residência “mimos” que saíram da terra, e não do laboratório. Uns sacos de batata, outros tantos quilos de beterraba, feijão, arroz, farinha de mandioca … Pode apostar que vou postar, digo, gostar.

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