Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Direitos humanos sob Bolsonaro, 100 dias de incertezas

No ministério de Damares Alves pouco se discute políticas para enfrentar as graves violações de direitos no país

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Os primeiros 100 dias em direitos humanos do governo Bolsonaro podem ser melhor enquadrados como uma tragédia em três atos: desvarios, inoperância administrativa e poucas ações concretas.

Quando procuramos por algo substantivo por baixo da retórica ruidosa da ministra Damares Alves, à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pouco sobra. Nesta nova era no Brasil, onde meninos vestem azul e meninas vestem rosa, pouco se discute de fato políticas voltadas a enfrentar as graves violações de direitos humanos no Brasil.

Ao discursar em evento da ONU sobre as mulheres, em março deste ano, Damares repetiu a vazio de propostas concretas para promoção de direitos de mulheres. Limitou-se a defender a “proteção da vida desde o momento da concepção.” Reconheceu a "verdadeira epidemia de crimes violentos contra mulheres e meninas" sem especificar o que fará para enfrentá-la. Chegou a aconselhar em fevereiro deste ano, a pais e mães de meninas a fugir do Brasil como forma de violência e abuso sexual. O silêncio da ministra Damares sobre políticas concretas para o combate à violência de gênero é estarrecedor.

Outro exemplo de desvario foi a reação da ministra à execução do músico Edvaldo Rosa dos Santos alvejado por 80 tiros pelo Exército no Rio de Janeiro. Ao justificar que “se houve erro”, deveria haver punição, Damares afirmou que não debateu o caso no ministério porque esta foi “uma semana de muito trabalho” para a ministra.

O desvario de Damares neste caso beira o escárnio. Se a maior autoridade nacional de direitos humanos não se mobiliza para condenar de maneira contundente a execução de um civil por 80 balas de fuzil enquanto se dirigia a um chá de bebê, questiona-se se a autoridade em questão possui a estatura moral que o cargo exige. A isso, soma-se a ausência de políticas sérias por parte do ministério sobre os números alarmantes de mortes de negros no Brasil.

Avoluma-se ademais o estado generalizado de inoperância da pasta de direitos humanos. Em um governo cuja intenção explícita é "botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil", a ineficiência administrativa —em especial com relação a órgãos de participação social do governo federal— não é um acidente, mas um projeto político.

No dia 10 de abril, Damares participou de audiência na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal justamente para esclarecer sobre a paralisia dos trabalhos dos diversos órgãos participativos sob seu ministério. Entre eles, está o órgão nacional de combate à tortura. Membros do órgão emitiram nota pública sobre dificuldades no andamento dos seus trabalhos por atraso nas nomeações de seus membros e embaraços administrativos para suas missões aos estados.

Damares, ademais, se recusou a discorrer sobre a nomeação de militares de carreira na Comissão de Anistia, questionada pela Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos. Na mesma esteira, nesta quinta, Bolsonaro anunciou a revogação do decreto que instituiu a Política Nacional de Participação Social.

Ademais, quase nada se sabe sobre as três promessas da pasta de direitos humanos para os primeiros cem dias da gestão: campanha de prevenção ao suicídio e à automutilação de crianças, adolescentes e jovens; regulamentação de partes da lei brasileira de inclusão; e norma sobre educação domiciliar. Ao anunciar estas duas últimas medidas nesta quinta, Bolsonaro não apresentou quaisquer detalhes.

Temas importantes como esses merecem o debate sério. De que forma campanhas de prevenção ao suicídio levarão em consideração os altos índices de suicídio de jovens LGBTs? De que forma conciliar educação domiciliar com a vasta literatura acadêmica que demonstra os benefícios de uma educação presencial para desenvolver habilidades de respeito ao outro, ao diferente? Quais são os programas para pessoas com deficiência do Ministério? São perguntas cujas respostas ainda estão incertas.

Qual o futuro da pauta de direitos humanos nos próximos 1.361 dias que restam para o Governo Bolsonaro? Eis aqui uma hipótese: descontrole será generalizado.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sob a batuta da ministra Damares Alves já tem sido relegado à posição de pasta de segundo escalão, pelo próprio presidente da República. Em março deste ano, Bolsonaro —em tom discriminatório— disse escutar todos os ministros, “até a Damares”.

Direitos humanos é por essência uma área transversal em qualquer governo. No entanto, subestimar a importância do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos somente contribuirá para o desgoverno na agenda de direitos humanos.

Cria-se assim as bases para que outros ministros assumem as rédeas, ao menos em parte, da pauta de direitos humanos.

A exemplo disso, vide o ministro da Justiça, cujo pacote anticrime impactará mortes pela polícia. Vide o ministro das Relações Exteriores, cuja posição contrária a direitos sexuais e reprodutivos manifestadas na 63ª sessão da Comissão sobre o Situação da Mulher da ONU reverte décadas de posicionamento do Brasil sobre o tema no cenário internacional. Vide a própria Secretaria de Governo da Presidência da República, cuja atribuição de “monitorar” as ações de organizações não governamentais no território nacional —atribuída pela Medida Provisória 870 de janeiro de 2019– representa um risco sério ao direito humano de liberdade de associação no país.

Os 100 primeiros dias de governo não trouxeram uma política de direitos humanos clara. Entre desvarios, inoperâncias e falta de propostas concretas, alçar a forma pela qual o governo tem conduzido a pauta de direitos humanos à condição de política pública minimamente estruturada é dar-lhe um crédito desmerecido.

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