Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Sexismo na política

À esquerda e à direita, há diversos exemplos recentes de sexismo contra mulheres na política

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“Que deputada linda. Só o fato de você estar no Parlamento. Não precisava nem abrir a boca. Só o fato de você estar aqui já diz pra jovens lá fora que elas também podem estar aqui”, disse a ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, para a deputada Tabata Amaral (PDT), durante audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara na última terça-feira. De família pobre e educada em Harvard, Tabata tem sido discriminada por ser mulher e por ser jovem, constantemente chamada de “menina” nos debates legislativos. A fala da ministra é exemplo desta fala depreciativa.

A própria ministra já foi alvo de falas discriminatórias. O presidente da República afirmou no Dia Internacional da Mulher que seu gabinete (com apenas duas ministras) está "equilibrado", porque cada uma das ministras equivale a "dez homens". Em entrevista à Folha, a deputada federal Alê Silva, do mesmo partido do presidente, relatou sofrer ameaças de morte pelo ministro do Turismo, inclusive solicitando proteção policial.

Tabata Amaral, deputada federal (PDT-SP)
Tabata Amaral, deputada federal (PDT-SP) - Divulgação
 

No caso de mulheres negras e LGBTs, ao sexismo acrescentam-se o racismo e LGBTfobia estruturais. Intersecções importam. Mulheres negras e LGBTs trazem consigo olhares historicamente negligenciados sobre a política. Ao se afirmar feministas, desafiam o declínio da popularidade do termo feminismo, muita vezes impulsionado por mulheres conservadoras no poder.

Corpos negros e LGBTs em posições de poder incomodam o poder político altamente masculino e heterossexual. A deputada federal Talíria Petrone (PSOL) relatou no Twitter em fevereiro deste ano que tem sido barrada todos os dias na entrada, no elevador, no plenário da Câmara desde que tomara posse. “É difícil pra eles entenderem, mas nós, mulheres pretas, somos tão deputadas quanto os outros,” relatou. A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL), mulher trans negra, foi alvo de transfobia, quando o deputado estadual Douglas Garcia (PSL) —ele mesmo gay— afirmou que, se encontrasse uma mulher trans no banheiro, ele a tiraria “no tapa”. 

Episódios de sexismo não devem ser tratados como relatos isolados, tampouco como mimimi. São reflexos de uma cultura de masculinidade tóxica que não vê as mulheres como sujeitos políticos.

Episódios de sexismo devem ser entendidos como eventos que evidenciam um cenário perverso: a estarrecedora e estrutural desigualdade de gênero no poder político brasileiro, apesar dos parcos avanços recentes. Segundo a organização internacional União Interparlamentar, o Brasil amarga em 2019 a 134º posição no ranking de mulheres no Legislativo, empatado com Bahrein e atrás de países como Arábia Saudita, Venezuela, Rússia e Somália.

Dados da pesquisa Gênero e Número de outubro de 2018 revelam que, no pleito de 2018, o número de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados aumentou em 50%. No entanto, mulheres representam apenas 15% entre as eleitas, ao passo que compõem metade da população nacional. Aumentou o número de mulheres negras —de 10 para 13— e de brancas —41 para 63— na Câmara dos Deputados, e dobrou o número de mulheres negras nas Assembleias Legislativas estaduais, de 7 para 15. 

Quando se diz que sexismo é estrutural, o que se quer dizer em outras palavras é que instituições políticas e jurídicas no Brasil impõem obstáculos para o acesso de mulheres a posições de poder.

Em reação a casos de candidaturas laranjas de mulheres ao Parlamento, o Congresso Nacional discute pôr fim à reserva para mulheres de 30% das candidaturas registradas por partido e dos recursos do fundo eleitoral para financiar candidaturas de mulheres. Sob o pretexto de enfrentar a questão de candidaturas laranjas, discute-se dificultar ainda mais as candidaturas de mulheres para tornar os espaços políticos ainda mais masculinos.

Se aprovado, o fim da reserva de candidaturas para mulheres significará caminhar em sentido diametralmente oposto ao de países vizinhos como a Argentina, onde neste ano se aprovou —por pressão de movimentos de mulheres— reserva de 50% dos assentos no parlamento argentino para mulheres.

Tanto propostas estruturais para dificultar o acesso de mulheres a círculos de poder político quanto episódios de sexismo contra mulheres parlamentares —à direita e à esquerda— devem ser combatidos com veemência. A nós, homens, cabe –como já disse Djamila Ribeiro– discutir a masculinidade que permeia as estruturas de poder no Brasil. A masculinidade que permite que tais episódios sejam recorrentes e muitas vezes naturalizados, dentro e fora dos parlamentos.

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