Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Cabe ao Congresso conter balbúrdias antidemocráticas

Propõe-se controle de universidades e ONGs, em violação a liberdades constitucionais

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O governo brasileiro anunciou nesta semana cortes de verbas para três das melhores universidades federais, em Brasília, Bahia e Rio de Janeiro. "A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”, lecionou o Ministro da Educação. Após críticas, o governo democratizou o retrocesso: todas as universidades federais sofrerão com a redução de 30% em suas verbas. A medida aprofunda cortes históricos. Estudo técnico da Câmara dos Deputados revelou que entre 2014 e 2018 o investimento em educação diminuiu 56%, havendo queda de 15% no investimento no ensino superior neste período.

Outro alvo do governo brasileiro tem sido as ONGs. No dia 8 de maio, o Congresso Nacional votará se rejeita ou não o controle do governo sobre organizações não governamentais no Brasil. Neste dia, a Comissão Mista do Congresso Nacional votará a Medida Provisória de Controle de ONGs (MP 870/2019). Esta MP inclui entre as atribuições da Secretaria de Governo –órgão da Presidência da República comandado pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz– “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”.

Campus da UFF, uma das universidades que sofreu ameaça de cortes do governo
Campus da UFF, uma das universidades que sofreu ameaça de cortes do governo - Guito Moreto 30.jul.10/Folhapress

A MP de Controle de ONGs colocou o general para cuidar de associação de bairro –mais precisamente para monitorar as 820 mil organizações da sociedade civil hoje atuantes no Brasil, segundo levantamento do Ipea em 2018. Dezenas de ONGs no Brasil integrantes do Pacto pela Democracia se juntaram no movimento #sociedadelivre para pressionar parlamentares pela revogação do controle de ONGs, em especial o relator da MP no Congresso, senador Fernando Bezerra (MDB/PE).

Controle ideológico de universidades e ONGs viola liberdades democráticas básicas. Ao fazê-lo, o governo segue o manual húngaro. O que diferencia os dois países é que por aqui o governo enfrenta um Congresso comparativamente independente aos disparates palacianos. Lá, o premiê da Hungria Viktor Orbán ganhou 68% dos assentos no Parlamento húngaro em 2010, tornando o legislativo daquele país, juntamente com a sua Corte Constitucional, fiel seguidor do premiê.

Universidades e ONGs se tornaram alvos preferenciais do governo húngaro.

Na Hungria, ONGs sérias como o Comitê Helsinki e a União de Liberdades Civis Húngara têm denunciado uma série de medidas do premiê húngaro contra a sociedade civil. Em 2018, a Hungria aprovou uma lei criminalizando ONGs que tivessem programas destinados a ajudar solicitantes de asilo e impôs um imposto de 25% sobre os doadores que apoiam atividades relacionadas à migração. Respondendo a estas medidas, o presidente brasileiro mencionou, após conversa com o premiê húngaro ao telefone em novembro do ano passado, que considera cortar o financiamento a organizações não governamentais no Brasil.

Universidades também não saíram imunes. Fiz mestrado e doutorado na Universidade Centro-Europeia (CEU), em Budapeste, onde morei por 5 anos. Após a aprovação de uma lei especificamente voltada a dificultar a permanência desta universidade no país, a CEU mudará neste ano para a vizinha Áustria, a despeito de protestos dentro e fora do país e da excelência acadêmica desta instituição, uma das melhores da Europa.

Cabe ao nosso Congresso Nacional no Brasil expor que medidas contra universidades e ONGs são, além de inconstitucionais, frontalmente inúteis.

Inconstitucionais porque a Constituição estabelece ser “plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”, bem como preconiza que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Tais medidas servem para manter sociedades livres de interferência do governo de plantão, qualquer que seja sua ideologia.

Inúteis porque ao controlar ideologicamente ONGs e universidades, o governo gasta recursos e tempo escassos.

Emenda da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) à MP 870 reforça o desperdício de recursos federais. A deputada sugere modificar o texto da MP para estabelecer a competência da Secretaria de Governo para “acompanhar as ações, os resultados e verificar o cumprimento da legislação aplicável” às ONGs.

Tal emenda ignora, no entanto, que já existem mecanismos que regulam as parcerias entre ONGs e o setor público, como Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e a Receita Federal. Ignora, ademais, que leis específicas já regulam a atuação da sociedade civil sem cair no intervencionismo estatal, como a Lei de Acesso à Informação e o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Somente uma ínfima parcela das ONGs recebe recursos estatais no Brasil (70% delas não recebe qualquer verba pública).

O Congresso Nacional pode dar um passo importante em sua missão de garantir as liberdades democráticas se retirar por completo o controle de ONGs da alçada da Secretaria de Governo da MP 870 ao votá-la na próxima semana. O mesmo deve fazer o Congresso ao exigir do governo explicações para as balbúrdias antidemocráticas contra o orçamento das universidades federais.

O que está em jogo não é apenas uma política de um governo, mas se o Congresso exercerá sua função de coibir medidas antidemocráticas, inconstitucionais e custosas.

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