Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Já acordamos, amizade. Vamo dar espaço?

Novas lideranças políticas nascem quando as antigas abrem o caminho

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É difícil sonhar quando se está submerso. Quando 40% de aprovação do Bolsonaro nos inunda, o futuro parece sufocante porque está cheio de passado. Como o personagem do novo livro de Ta-Nehisi Coates, nos vemos dançando na água, sem ar. É importante compreender o tempo presente como um limiar entre mundos irreconciliáveis: um velho normal do qual tanto Guedes e Maia quanto Bolsonaro fazem parte, e um futuro que precisamos construir das cinzas.

É preciso aprender a navegar as águas do nosso tempo. E ser progressista é nadar contra a maré até que a maré vire, e daí encontrar outras marés para virar. Um dia alguns socialistas foram xingados por aceitarem os termos da democracia liberal para revertê-la em social democracia. Um dia Luther King foi visto como radical e violento. Um dia mulheres queimaram sutiã. Um dia lésbicas e trans botaram fogo em Stonewall e no Ferro’s Bar. Um dia negros se libertaram, todos os dias se libertam.

Parece até que os que estão aí no Palácio do Planalto, aí sempre estiveram. Não estiveram. É importante lembrar que não estiveram. Obscurantismo hoje se fortalece de sua áurea de inevitabilidade; destruí-lo requer aniquilar o niilismo fatalista que encerra. Tão importante quanto lembrar que política não se resume às bolhas algorítmicas do twitter é lembrar que Bolsonaro não existia politicamente poucos meses antes da eleição.

Hoje quem se empolga, como eu, com lideranças como Alexandra Ocasio-Cortez (AOC), a estrela democrata da nova política dos EUA, esquece que não foi contra as forças obscurantistas republicanas que AOC teve que debater para chegar onde chegou. AOC teve que enfrentar, primeiro, o establishment democrata. Teve que enfrentar Joseph Crowley, congressista há 14 anos, que tinha o apoio dos caciques democratas. Novas lideranças, como AOC, não nascem em árvores: nascem quando as antigas se levantam do seu lugar e dão espaço, ou quando o espaço é tomado por quem aprendeu que há frestas abertas no sistema político para quem, como AOC, alia brilhantismo político e tecnologia.

Prata, em seu artigo neste domingo (04), com título "Vamo acordá, amizade?", pede para que nós, os progressistas, acordemos. Devolvo a pergunta ao querido amigo: quem de nós dorme? Não dormem Marília Arraes, Marina Helou, Túlio Gadelha, Natália Bonavides, Sonia Guajajara, Áurea Carolina, Olivia Santana, Alice Portugal, Ivan Moares, Vilma Reis, Marivaldo Pereira, Randolfe Rodrigues, Tabata Amaral, Erika Hilton, Erika Malunguinho, Monica Francisco, Talíria Petrone, Andréia de Jesus, Bella Gonçalves, Renato Roseno, Isto para lembrar quem já tem ou teve mandato.

Política majoritária, por outro lado, é um jogo que se faz jogando: o time de lá tem um Bolsonaro, no time de cá temos todos e todas acima, além de uma Manuela d’Ávila, um Flavio Dino, um Ciro Gomes, um Haddad, uma Benedita da Silva, um Freixo e os que existirão até 2022. Temos, inclusive, um time extra de liberais democráticos que podem se juntar contra bolsonarismo, temos um Luciano Huck, e tantos outros ainda a vir para esse lado quando a Faria Lima perceber o atraso em que se meteu e que ajudou a criar.

Já acordamos, amizade: nosso time existe, tem algumas estrelas que sozinhas jogam bem, mas para vencer não nos faltam jogadores, falta união.

Narcizo, dizem, acha feio o que não é espelho. Ou a frente progressista quebra os espelhos e enxerga novas lideranças em todo o seu potencial político, ou morrerá na praia em sono esplêndido. Se acharmos que a pauta desse lado é apenas sobre o todes e todxs, não teremos entendido que a pauta é sobre construir um país que inclua quem morre diariamente nas mãos dos todos de bem. Com o sufixo vem o respeito. É por isso, e não por um neologismo, que estamos nadando contra a maré.

Construir frente democrática requer qualidades que faltam à nata progressista. Requer, primeiro, quebrar o ego, de todos os lados. AOC está ali fazendo campanha para Biden, apesar de divergir dele. Não foi a Paris, nem lamenta que seu candidato não é o candidato, de novo. Frente será tão extensa quanto for o nosso entendimento da gravidade histórica que é a presidência Bolsonaro existir. Frente será tão extensa quanto for nossa habilidade de abrir caminhos para outros.

Requer, em segundo lugar, pragmatismo. Prata está correto sobre a autofagia do campo progressista, e nisto concordo. Vejamos o caso mais recente. Candidato a vereador em Duque de Caxias, Wesley Teixeira não deixou de ser antirracista e anticapitalista por ter sentado para conversar com a elite do Leblon e ter recebido doação individual desta elite. Futuro da política é feito de jovens negros como ele – como Jota Marques, Thais Ferreira, Tainá de Paula.

Ou o campo progressista investe, inclusive financeiramente, nestas lideranças e outras, ou o futuro será tão opaco quanto a imagem que o espelho reflete.

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