Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus Coronavírus

Em 2021, a resolução de ano novo é respirar

Não há paralelo ideológico ou regional para a inação federal quanto à vacina

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Minha resolução de ano novo é respirar. O ano 2020 sufocou a todos nós. A boca e o nariz se escondem por trás da necessária, mas abafada, máscara, e o pulmão da nossa democracia mal respira sem os aparelhos que existem, mas estão em desuso. Ofegantes, seguimos.

Alguns, os negacionistas, preferem dançar até o fim em festas pandêmicas, matando a si e aos seus. São os Neymares e os Carlinhos Maias os cavaleiros do nosso apocalipse pandêmico. 2020 nos deixou a todos exaustos de solidão, mas é preciso, ainda, guardar o carnaval no bolso. Quando chegar a vacina, haverá o tal grande carnaval. Pós-pandemias costumam, historicamente, fazer bons carnavais.

Não se engane: é preciso dizer que temos o pior presidente do mundo. Não há paralelo para o presidente Bolsonaro em democracia alguma no mundo, porque democracias não costumam deixar sociopatas governá-las. Nós deixamos. Bolsonaro não dá a mínima bola para a vacina porque seu gozo, como o de um general no fim de uma guerra a qual sabe que perderá, jaz em exercer ao menos o poder de matar e deixar morrer. Neste experimento necrópole, as cobaias somos nós.

Apesar do discurso negacionista da vacina, que impacta a confiança da população na imunização, governo Bolsonaro já desembolsou, segundo dados da Revista Piauí, R$ 2,2 bilhões com a vacina AstraZeneca e o consórcio internacional Covax Facility. Na contramão do que fez o Brasil, outros países apostaram em uma gama ampla de vacinas e prepararam um plano de imunização e campanhas públicas sobre o tema para angariar confiança da população.

O que diferencia o Brasil, além da sociopatia sentada na cadeira presidencial, é investir com ardor na incompetência mesmo sentado em cima do maior sistema de saúde público do mundo. Não se trata de uma clivagem ideológica, tampouco: países à direita como Polônia, Hungria, Alemanha e Israel anunciaram vacinação. Não se trata de uma clivagem regional, tampouco: vizinhos latino-americanos como Chile, Argentina e México já começaram a vacinar.

No plano internacional, vacinação é um jogo estratégico complexo, assunto sobre o qual os militares —alocados às dezenas no governo— deveriam entender; e, diante da complexidade, apostar cedo as fichas em múltiplos cavalos poderia ser um investimento mais seguro. Dados da Oxfam de setembro de 2020 mostram que nações ricas, que contam com 13% da população mundial, compraram mais de 51% das doses prometidas de vacinas. O Brasil, um país cujo chanceler Ernesto Araújo se orgulha de ter tornado um pária internacional, está condenado a ver navios.

Minha resolução de ano novo é permanecer vivo. Em 2014, as últimas palavras de Eric Garner antes de ser morto foram: não consigo respirar. Não conseguimos respirar em 2020, mas respirar ainda é preciso. Quando se é preto num país que mata os nossos a cada 21 minutos seja atingido com a força da bala, seja afogado em terra firme numa UTI lotada, respirar é um ato revolucionário. Em 2021, minha resolução de ano novo é que outros George Floyd, João Alberto, Breonna Taylor, Emily Victória e Rebeca Beatriz possam respirar.

Resoluções de fim de ano nos iludem porque presumem que o tempo seria linear, que nos veremos do lado de lá desse portal que chamamos passagem do ano, tão irreal quanto o portal da pandemia. O mundo não será melhor do que o de hoje no pós-pandemia, será tão bom quanto o mundo que estamos construindo neste exato segundo. No documentário “AmarElo - É Tudo Pra Ontem", Emicida lembra um velho ditado em iorubá que diz: “Exu matou um pássaro ontem com a pedra que jogou hoje.” Quais as pedras jogamos hoje para respirar, vivos, ontem e amanhã? Feliz ano novo, meus caros.

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