Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Assembleia de SP quer ensinar crianças a odiar

PL que proíbe LGBTs em propaganda é inconstitucional e viola direitos das crianças

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Marta Costa (PSD-SP) está tendo seus dias de Vladimir Putin. Tal qual o autocrata presidente russo fez em 2013 ao sancionar a lei contra “propaganda que legitima a homossexualidade”, a deputada estadual finge proteger os direitos de crianças quando, na verdade, as prejudica instrumentalizando uma nova geração já acostumada à igualdade de direitos para destilar, em lei, seu ódio anticristão contra LGBTs e suas famílias.

Diversidade é benéfica às crianças porque as ensina a amar quem é diferente delas.
Se aprovado o projeto de lei (PL), a ser votado na terça (27) na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), SP retrocederá décadas de políticas a favor de LGBTs. O PL em questão busca vedar publicidade que “contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças”. Janaina Paschoal (PSL-SP) decidiu tornar a emenda pior do que o soneto ao substituir “preferências sexuais” —que não existem— por “gênero e orientação sexual”.

Que fique claro: o PL 504/2020 é inconstitucional, imoral e viola os direitos das crianças que diz proteger. É inconstitucional do ponto de vista formal, posto que cabe privativamente à União legislar sobre propaganda comercial (artigo 22, XXIX, CF/88), como nos lembra parecer da OAB. Dizer que se trata de uma lei sobre consumo é diversionismo de má-fé. Contraria, ademais, lei estadual contra discriminação a LGBTs, em vigor desde 2001, e caminha na contramão dos investimentos no estado para o turismo LGBT.

É inconstitucional do ponto de vista material, porque a real intenção do PL é impor um carimbo de inferioridade em LGBTs e suas famílias, contrariando a Constituição e jurisprudência sólida, inclusive do STF. Em 2017, o Tribunal Europeu decidiu nessa mesma direção sobre a lei de Putin: “ao adotar leis do tipo, as autoridades reforçam a estigmatização e o preconceito e encorajam a homofobia, o que é incompatível com as noções de igualdade, pluralismo e tolerância inerentes à sociedade democrática”.

“Não nos enganemos”, escreveu Paul Preciado em ensaio de 2013, “não estão defendendo os direitos da criança. Estão protegendo o poder de educar seus filhos segundo a norma sexual e de gênero, como supostos heterossexuais, concedendo-se o direito de discriminar”.

Se quisesse proteger as crianças, a deputada teria aceitado emenda apresentada por Erica Malunguinho (PSOL-SP) para proibir a “alusão a drogas, sexo e violência explícitas, relacionados a crianças”. Não o fez.

Quem defende as crianças contra os problemas reais que não enfrentamos porque estamos muito ocupados com estapafúrdias inconstitucionais? Quem protege as crianças e adolescentes da violência, inclusive sexual, que ocorre no âmbito familiar? Quem protege crianças e adolescentes LGBTs do suicídio? Quem protege as crianças em situação de rua? Quem protege crianças sem família, enquanto tantos casais LGBTs querem e podem adotar? Quem protege crianças negras da violência policial?

O que Costa e Paschoal querem é proteger seu próprio poder de odiar, ameaçado por uma lenta, mas gradual aceitação da diversidade, apesar da crescente violência lgbtfóbica.

“Nós não temos a pretensão de acabar com a família, nós só queremos que na família também possa haver democracia, que nós também fazemos parte de uma família. A nossa intenção não é fazer com que ninguém seja gay, lésbica ou trans, é que as pessoas que assim o são possam ter a liberdade de existir”, nos ensinou a vereadora Erika Hilton (PSOL-SP) no Roda Viva em fevereiro deste ano.

O que está em jogo na Alesp é a liberdade de LGBTs existirem. O PL 504/2020 não é sobre proteger as crianças, é sobre ensiná-las a odiar.

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