Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus

Oscar 2021, o cinema em tempos sombrios

Filmes indicados na premiação traduzem, em arte, o que nos faz humanos

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Vivemos tempos sombrios. Diante da vida que se dissipa no ar, tendemos a nos sufocar com a inquietude, esse estado de espírito prevalente nas páginas dos jornais.

“A questão é: quanta realidade se deve reter mesmo num mundo que se tornou inumano, se não quisermos que a humanidade se reduza a uma palavra vazia ou a um fantasma?”, escreveu Hannah Arendt no pós-guerra em “Homens em tempos sombrios”. 18 aviões Airbus A330 caíram ao mesmo tempo no Brasil no dia 8 de abril: 4.249 mortes por Covid-19 em 24 horas.

É na luta constante entre o impulso de vida e o de morte que nasce o nosso mal-estar, nos disse Freud em 1930. Habitamos este limbo entre a realidade que nos cerca e a parte de nós que contra ela luta.

É aí que habita o belíssimo filme Nomadland. Ao retratar trabalhadoras nômades na figura da impecável Frances McDormand, o filme permite, sem romantismo, um respiro de liberdade em um mundão desigual que nos oprime.

O mundão dos planos abertos da câmera de uma beleza ímpar, o mundão das pequenas histórias humanas. Nos últimos seis meses, triplicou o número de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 27 milhões de pessoas e suas histórias.

Chega um tempo em que a arte ilumina os rostos humanos por trás da dor. Seja na história real do genocídio em Srebrenica na Bósnia na década de 1990 (contado no impactante “Quo Vadis, Aida?”), seja na ode ao árduo trabalho jornalístico de um pequeno diário esportivo na Romênia contra corrupção do sistema de saúde (retratado no documentário “Collective”).

A verdade —ensina o cinema— nos libertará da apatia. Em 2020, o número de ataques à liberdade de imprensa aumentou em 167% no Brasil.

Arte, escreveu Toni Morrison, “nos convida a conhecer a beleza e a solicitá-la até mesmo das mais trágicas circunstâncias. A arte nos lembra que pertencemos a este lugar” que chamamos mundo.

A tragédia escondida na beleza musical de “A Voz Suprema do Blues”, com a estupenda Viola Davis. A tragédia familiar e sutilmente construída da solidão de um pai com perda de memória em “Meu Pai”, com os brilhantes Anthony Hopkins e Olivia Colman. A tragédia da solidão em uma prisão injusta: nos últimos 15 anos, no Ceará, Cícero José de Melo esteve preso sem que houvesse contra ele processo criminal algum.

É na beleza da arte que encontramos empatia, a força que nos torna humanos. “O Som do Silêncio” nos coloca para escutar o mundo a partir da diferença, a partir de um mundo capacitista que exclui.

“Judas e o Messias Negro” —sobre Panteras Negras nos EUA— e “Os 7 de Chicago” —sobre oposição à Guerra do Vietnã— nos mostram o poder das alianças em tempos sombrios, para lutar, juntos, contra a bala da polícia e a caneta do Judiciário que apontam, invariavelmente, para a pele negra.

Na última semana, o julgamento dos militares que dispararam 257 tiros contra o carro onde estava o músico Evaldo Rosa e sua família foi adiado, indefinidamente.

Tem um filme de Jean-Luc Godard que amo, “Alphaville”, de 1965. Nele, Godard transforma Paris num país distópico, tecnocrático. Eis um diálogo do filme: “As pessoas se tornaram escravas das probabilidades. O ideal deles aqui, em Alphaville, é uma tecnocracia, como dos cupins e das formigas. Não entendo. Provavelmente há 150, 200 anos existiam artistas na sociedade das formigas. Artistas, romancistas, músicos, pintores. Hoje, não mais.”

Mesmo em tempos sombrios como os que vivemos hoje, ainda há a arte e sua beleza a escancarar as frestas de luz que anunciam o inevitável: amanhã há de ser outro dia.

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