Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus

Não é o frio que mata

O plano para a população de rua da prefeitura paulistana nem foi instituído

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Não é o frio que mata a população em situação de rua: é o capitalismo. Sem jogarmos luz sobre as relações perniciosas entre o mercado imobiliário, principal doador da atual gestão em SP, e as autoridades no Legislativo e Executivo municipais, ofuscaremos, outro inverno, o necessário debate estrutural sobre cidades e desigualdade. Em SP morre-se mais da ausência de políticas de moradia do que de frio.


O Plano Municipal da População em Situação de Rua nem sequer foi instituído, aponta monitoramento publicado pela própria prefeitura na terça-feira (27). Doar para projetos sociais sérios é imprescindível; acionar a Prefeitura de São Paulo pelo 156 para que uma pessoa em situação de rua possa ser atendida também é. Imprescindível, mas insuficiente.

Não só a população em situação de rua tem aumentado na capital paulista (de 15,9 mil em 2015 para 24,3 mil em 2019, dado muito subestimado) como o perfil dessa população tem se alterado: antes, homens adultos; hoje, cada vez mais, famílias inteiras, mais velhos e pessoas trans. Numa cidade com déficit habitacional de quase meio milhão, o centro de São Paulo concentra, ao mesmo tempo, a maior parcela de população em situação de rua e o maior número de imóveis ociosos.

Isso não é por acaso. Déficit de vagas de acolhida para famílias inteiras; paralisação de obras de locação e moradia sociais; pouco debate sobre o projeto Requalifica Centro; revisão do Plano Diretor discutida às pressas e sem participação efetiva da população; manutenção de despejos e remoções em meio à pandemia; cortes no auxílio aluguel. Tudo são indicativos de que o cobertor neste frio é bem menor do que o necessário.

"As cidades têm capacidade de oferecer algo a todos, mas só porque e quando são criadas por todos", escreveu Jane Jacobs em 1961 no clássico "Morte e Vida de Grandes Cidades". Não é o frio extremo que mata; é a manta curta que usamos todo ano para acobertar nossas iniquidades, deixadas intocadas.

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