O relatório da CPI escancara a porta do Tribunal Penal Internacional para que Bolsonaro por ela ingresse como o primeiro presidente acusado de extermínio. Se adotar o relatório como está, a CPI conduzirá Bolsonaro ao banco dos réus em Haia, onde merecerá estar.
Não é acusação leviana. Dir-se-á na TV e em editoriais que se trata de ativismo e que "nenhum crime foi cometido especificamente contra indígenas." Esbravejarão que genocídio inexiste. Para não normalizarmos o horror, é preciso dissecar os erros.
O primeiro: o de que a acusação de genocídio seria incabível. A CPI avança ao chamar de crimes contra a humanidade o ataque sistemático à população civil. Isso é compatível com debater indícios de genocídio (que, ao contrário daquele, requerem intento étnico), como o veto à água ou distribuição de remédios sem eficácia para povos indígenas.
Segundo erro: o de que não há crime por ser apenas omissão. Qualquer jurista sério sabe que omissão de quem tem o dever legal de agir é punível. Inúmeras páginas foram escritas sobre os atos (não só omissões) que compuseram o morticínio.
Terceiro erro: dizer que não haveria crimes internacionais porque Bolsonaro não os teria praticado com suas mãos —leis internacionais estipulam graus de responsabilização, como incitação e colaboração, por quem tem o controle de quem os perpetua.
Ao não chamar genocídio por seu nome, a CPI evidencia que não há no país meios para investigar seriamente essas alegações. Fazê-lo de forma estratégica para ver o relatório aprovado não diminuiu a plausibilidade da acusação. Ao chamar ao menos de crime contra a humanidade, a CPI serve de antessala para o TPI, que, pela regra de complementaridade, deveria agir enquanto Aras e Lira dormem sobre pilhas de pedidos de investigação.
Pobre o país que não chama os seus horrores pelo nome que têm; paupérrimo o país que faz do silêncio sobre esses horrores o seu ofício. A CPI contribui para quebrar tal silêncio.
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