"Cê imagina que na Cracolândia são os indesejáveis, né, são aqueles que são expulsos das periferias, aqueles que saíram do sistema prisional". Este é um trecho de uma das entrevistas realizadas pelo estudo inédito "Racismo e a gestão pública das políticas de drogas na Cracolândia". Produzido pela organização Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, o relatório lançado nesta quinta-feira (9) escancara que o racismo, na Cracolândia, custa; e ali a moeda é a dor preta.
Focar em uma análise orçamentária criteriosa, como faz o estudo, não serve para quantificar vidas; pelo contrário: busca dissecar as entranhas das relações de poder que os números mascaram a olho nu, mas evidenciam quando observados no microscópio. O relatório revela que o foco na Cracolândia tem sido primordialmente em "megaoperações policiais, vigilância e criminalização", em vez de políticas comprovadamente mais efetivas como as de redução de danos e moradia que garantam dignidade e direitos.
Primeira evidência da falência de repressão como política de drogas: investe-se mais em equipamentos de repressão do que se ganha em apreensões de drogas. Entre 2017 e 2020, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) apreendeu R$ 342 mil em drogas; a Inspetoria Regional de Operações Especiais (IOPE) gastou em equipamentos R$ 127 mil a mais do que isso. Segunda evidência: apesar do caráter intersecional do Programa Redenção, há um desmonte da Operação Trabalho para usuários, e desocupação de hotéis e pensões.
Nas redes sociais, Cracolândia se torna "Odiolândia", nome de uma exposição da artista Giselle Beiguelman, em 2017, que reuniu reações odiosas online contra usuários de crack em SP. O que o relatório da Iniciativa revela é que o ódio contra usuários tem nome: racismo. A Cracolândia materializa em um território o governo da morte e do deixar morrer que somente o racismo pode conceber. Ou investimos em alternativas de vida, ou continuaremos a bancar a morte preta dos indesejáveis.
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