Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Não foi descobrimento, foi matança

Falar do legado colonial português e de suas marcas é desconfortável aos lusitanos, mas fazê-los confortáveis nunca foi o propósito

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Quando tirei a foto não pensei que viralizaria. "Não foi descobrimento, foi matança": dizeres em preto em uma faixa cor de sangue no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia de Lisboa, de autoria do brasileiro Rodrigo Ribeiro Saturnino (ou ROD). Tirei a foto em viagem mês passado à exuberante Lisboa, a convite de acadêmicos portugueses para um painel sobre legado colonial.

Coroa exposta no Museu do Tesouro Real, em Lisboa
Coroa exposta no Museu do Tesouro Real, em Lisboa - Patrícia de Melo Moreira/AFP

O que intelectuais portugueses e da diáspora estão fazendo hoje por lá é abrir as fissuras de nossos mitos: por baixo dos três rios —negro, branco e indígena —corre o sangue de milhares que nunca foram contados. Quiçá pelas veias abertas, possamos ver que o nosso DNA evidencia a violência de gênero; que nossos latifúndios têm cheiro de capitanias que a lei consolidou; que o jeitinho brasileiro tem origem nas dádivas reais; que a polícia nasceu como uma guarda real e até hoje o é; e que nobreza portuguesa era um favor pessoal do Estado. Muito me espanta que racismo em Portugal seja qualificado como "sensacionalismo que vende jornais", quando na verdade o país nem sequer colhe dados sobre raça em seu censo. Tão esporádico que 62% dos portugueses manifestam algum racismo, segundo estudo de 2020 do European Social Survey (ESS). Só em 2021 o governo criou um grupo de trabalho sobre o tema, ainda incipiente mesmo entre a esquerda. Nada diferente daqui.

Falar do legado colonial português e de suas marcas é desconfortável aos amigos lusitanos, mas fazê-los confortáveis nunca foi o propósito da conversa: para nós do lado de cá do Atlântico não há escolha senão o desconforto de enfrentar racismo e xenofobia. Isso, ou deles morrer.

No meu último dia em Lisboa fui ao Aljube, uma antiga cadeia, hoje museu de resistência. Na entrada, as frases de 1926 do ditador português Salazar: "Procuramos restituir o conforto das grandes certezas. Não discutimos a pátria e a sua história". Contra o lusotropicalismo ufanista que prefere a certeza do descobrimento, proponho o desconforto vosso ao dizer que foi matança.

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