Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Um recado para a equipe de Biden sobre a Guerra da Ucrânia: falem menos

Restaurar a soberania de Kiev e frustrar os militares de Putin já seria uma grande conquista com dividendos duradouros

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Na minha juventude, em Minnesota, eu era torcedor do time local da Liga Nacional de Hóquei na época, o North Stars, e eles tinham um locutor esportivo, Al Shaver, que me deu minha primeira lição de política e estratégia militar. Ele encerrava seus programas com esta despedida: "Quando você perder, fale pouco. Quando ganhar, fale menos. Boa noite e bom esporte".

Joe Biden e sua equipe fariam bem em adotar o conselho de Shaver.

Na semana passada, na Polônia, perto da fronteira com a Ucrânia, o secretário da Defesa, Lloyd Austin, chamou minha atenção –e certamente a de Vladimir Putin– ao declarar que o objetivo de guerra dos EUA na Ucrânia não é mais apenas ajudar a Ucrânia a restaurar sua soberania, mas também produzir uma Rússia "enfraquecida".

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o secretário de Defesa, Lloyd Austin, após conversa com jornalistas na Polônia - Alex Brandon/Pool - 25.abr.22/Reuters

"Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisa que fez ao invadir a Ucrânia", disse ele. "Então, ela já perdeu muita capacidade militar —e muitas de suas tropas, na verdade. E queremos que eles não tenham a capacidade de reproduzir essa capacidade muito rapidamente."

Por favor, digam-me que essa declaração foi resultado de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional liderada pelo presidente. E que eles decidiram, depois de pesar cuidadosamente as consequências de segunda e terceira ordem, que é do nosso interesse e está em nosso poder degradar tanto as Forças Armadas da Rússia que ela não seja capaz de projetar poder novamente –em breve? Para sempre? Não está claro–, e que podemos fazer isso sem corrermos o risco de uma resposta nuclear de um Putin humilhado.

Não tenha dúvidas: eu espero que esta guerra termine com as forças armadas da Rússia fortemente degradadas e Putin fora do poder. Só que eu nunca diria isso publicamente se estivesse na liderança, porque não compra nada e pode custar muito caro.

Línguas soltas afundam navios –e também estabelecem as bases para o exagero na guerra, lentidão na missão, a desconexão entre fins e meios e enormes consequências indesejadas.

Tem havido um excesso disso na equipe de Biden, e as bagunças exigiram muita limpeza. Por exemplo, pouco tempo após a declaração de Austin, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional disse, segundo a CNN, que os comentários do secretário refletiam os objetivos dos EUA, ou seja, "tornar essa invasão um fracasso estratégico para a Rússia".

Boa tentativa. Mas foi uma tentativa de limpeza artificial. Forçar a Rússia a se retirar da Ucrânia não é a mesma coisa que declarar que queremos vê-la tão enfraquecida que nunca mais possa fazer isso em nenhum lugar –esse é um objetivo de guerra mal definido. Como você sabe quando isso é alcançado? E é um processo contínuo? Continuaremos degradando a Rússia?

Em março, num discurso na Polônia, Biden disse que Putin, "um ditador, empenhado em reconstruir um império, nunca apagará o amor de um povo pela liberdade", e então o presidente acrescentou: "Pelo amor de Deus, esse homem não pode permanecer no poder".

Depois dessa declaração, a Casa Branca alegou que Biden "não estava discutindo o poder de Putin na Rússia ou a mudança de regime", mas estava afirmando que Putin "não pode ter permissão para exercer o poder sobre seus vizinhos ou a região". Outra limpeza de discurso que apenas me convence de que o Conselho de Segurança Nacional não teve uma reunião para definir onde começa e onde termina o envolvimento dos EUA para ajudar a Ucrânia. Em vez disso, as pessoas estão agindo por conta própria. Isso não é bom.

Nosso objetivo começou simples e deve permanecer simples: ajudar os ucranianos a lutar enquanto tiverem vontade e ajudá-los a negociar quando acharem que é a hora certa –para que eles possam restaurar sua soberania e reafirmar o princípio de que nenhum país pode simplesmente devorar o seu vizinho. Falar mais que isso é um convite a problemas.

Como assim? Para começar, não quero que os EUA sejam responsáveis pelo que acontecerá na Rússia se Putin for derrubado. Porque uma destas três coisas provavelmente resultará:

1) Putin é substituído por alguém pior;

2) O caos irrompe na Rússia, um país com cerca de 6.000 ogivas nucleares. Como vimos na Primavera Árabe, o oposto da autocracia nem sempre é a democracia –muitas vezes é a desordem;

3) Putin é substituído por alguém melhor. Um líder melhor na Rússia tornaria o mundo inteiro melhor. Eu rezo por isso. Mas para que essa pessoa tenha legitimidade em uma Rússia pós-Putin é vital que não pareça que nós a instalamos. Precisa ser um processo russo.

Se conseguirmos a opção 1 ou a 2, você não gostaria que a população russa ou o mundo responsabilizassem os EUA por desencadear instabilidade prolongada na Rússia. Lembra-se do nosso medo de "armas nucleares descontroladas" na Rússia após a queda do comunismo na década de 1990?

Também não queremos que Putin nos afaste de nossos aliados –nem todos eles aprovariam uma guerra cujo objetivo não é apenas libertar a Ucrânia, mas também expulsar Putin. Sem citar nomes, o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu, reclamou recentemente que alguns aliados da Otan realmente "querem que a guerra continue. Eles querem que a Rússia enfraqueça".

Lembre-se: muitos países do mundo são neutros nesta guerra porque, por mais que simpatizem com os ucranianos, realmente não gostam de ver os EUA ou a Otan agindo como um valentão –mesmo em relação a Putin. Se esta for uma guerra longa, e a Ucrânia conseguir recuperar todo o seu território ou a maior parte dele, é vital que isso seja percebido como Putin contra o mundo, e não Putin contra os EUA.

E tenhamos cuidado para não aumentar demais as expectativas ucranianas. Pequenos países que de repente recebem o apoio de grandes potências podem ficar intoxicados. Muitas coisas mudaram na Ucrânia desde o fim da Guerra Fria, exceto uma: sua geografia.

Ainda é, e sempre será, uma nação relativamente pequena na fronteira com a Rússia. Terá que fazer alguns compromissos difíceis antes que este conflito termine. Não vamos tornar isso ainda mais difícil adotando objetivos irreais.

A equipe de Biden se saiu tão bem até agora com seus objetivos limitados. Deve ficar aí.

"A guerra na Ucrânia deu ao governo a oportunidade de demonstrar os recursos únicos dos EUA no mundo de hoje: sua capacidade de forjar e manter uma aliança global de países para enfrentar um ato de agressão autoritária; e segundo, a capacidade de responder com uma super arma econômica que só o domínio do dólar na economia global torna possível", disse Nader Mousavizadeh, fundador e CEO da empresa de consultoria geoestratégica Macro Advisory Partners.

Se os EUA puderem continuar mobilizando efetivamente esses dois ativos, acrescentou ele, "vão melhorar muito nosso poder em longo prazo e nossa posição no mundo, e enviar uma mensagem de dissuasão muito poderosa para a Rússia e a China".

Nas relações exteriores, o sucesso gera autoridade e credibilidade, e credibilidade e autoridade geram mais sucesso. Apenas restaurar a soberania da Ucrânia e frustrar os militares de Putin lá seria uma grande conquista com dividendos duradouros. Al Shaver sabia do que estava falando: quando perder, fale pouco. Quando ganhar, fale menos. Todo mundo pode ver o placar.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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