Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Democracia estará em disputa nas próximas eleições em Israel e nos EUA

Se esquerda e direita não de aproximarem do centro, nações vão estagnar e assistir a incapacidade de solucionar problemas

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Thomas L. Friedman
The New York Times

O governo israelense de união nacional, sem precedentes na história do país, caiu na semana passada, infelizmente. Por que você deveria se importar com isso? Sob muitos aspectos, o que aflige a política de Israel não passa da versão off-Broadway da polarização partidária aguda que infectou a política dos EUA.

A mentalidade da extrema direta de Donald Trump, caracterizada pela busca da vitória a qualquer custo, foi descrita vividamente em Washington na terça (28), no depoimento de Cassidy Hutchinson perante o comitê do 6 de Janeiro, e se inscreve numa tendência mais ampla de valores profundamente antidemocráticos que contraria as aspirações de muitos americanos e israelenses.

O premiê de Israel, Naftali Bennett, durante discurso em Jerusalém
O premiê de Israel, Naftali Bennett, durante discurso em Jerusalém - Abir Sultan - 19.jun.22/Pool/Reuters

Se essa tendência prevalecer, vai rasgar ambas essas sociedades ao meio, e é por essa razão que a alma da democracia israelense e a da democracia americana estão em jogo nas próximas eleições.

Não é inevitável que isso aconteça. Contrariando todas as tendências políticas recentes –e na esteira de três eleições inconclusivas em dois anos—, um ano atrás Israel fez algo notável: montou uma coalizão que, pela primeira vez, incluiu não só judeus israelenses de direita e de esquerda, mas também um partido árabe israelense islâmico que havia ganho quatro assentos no Parlamento na eleição de março de 2021.

O núcleo dessa coalizão era o partido de direita Yamina, do primeiro-ministro Naftali Bennett; o partido de centro-esquerda Yesh Atid, do chanceler Yair Lapid, e o partido religioso árabe muçulmano israelense de Mansour Abbas, conhecido como Raam. Imagine Joe Biden, Mitt Romney, Liz Cheney, Larry Hogan, Lisa Murkowski, Charlie Baker, o almirante da reserva Bill McRaven, Joe Manchin, Amy Klobuchar, Mike Bloomberg, Jim Clyburn e Michelle Lujan Grisham, todos servindo no mesmo gabinete, e você teria grosso modo o equivalente americano do governo israelense de unidade nacional que acaba de morrer.

Esses tipos de coalizões de esquerda, direita e centro —tomando decisões pragmáticas e fazendo trocas que transcendem os polos ideológicos usuais— são a única maneira de governar democracias efetivamente nesta era de transformações tecnológicas, demográficas e climáticas aceleradas.

A não ser que esquerda e direita se aproximem do centro para encontrar uma maneira de governar juntas em Israel e nos EUA, as duas nações vão estagnar, com seus cidadãos e líderes se mostrando incapazes de fazer as coisas importantes e difíceis —desde educação e imigração até política industrial— necessárias para que elas prosperem no século 21.

Hoje, seus grandes partidos investem grande energia em simplesmente fazer e desfazer o trabalho uns dos outros (pesquise: Roe vs. Wade, controle de armas, imigração, política energética americana).

Apesar de ter durado apenas um ano, a coalizão israelense conseguiu aprovar um orçamento nacional que contemplou um espectro amplo de interesses. Pode não parecer uma grande realização, mas foi o primeiro orçamento nacional baseado em prioridades nacionais a ser aprovado em mais de três anos.

Mais que qualquer outra coisa, possivelmente, a coalizão conseguiu demonstrar que judeus e árabes israelenses podem governar calmamente juntos. Foi um avanço histórico. Conversei com Bennett logo antes da queda de seu governo. Ele dera provas de coragem política ao contrariar a posição de muitos de sua base, formando uma aliança com Abbas, e chamou a minha atenção o respeito e a gentileza que demonstrou por seu parceiro de coalizão árabe israelense. Isso se chama liderança.

O governo deles também proporcionou um descanso breve do divisionismo promovido pelo ex-premiê Binyamin Netanyahu e por seus aliados racistas ultranacionalistas. Netanyahu manifesta um outro tipo de liderança. É como a de Trump. Netanyahu e Trump são irmãos políticos, filhos de mães diferentes.

Netanyahu e seus seguidores montaram um ataque implacável aos membros do partido de Bennett que participaram da coalizão. Acabaram conseguindo que alguns deles se afastassem, de modo a derrubar o governo. Mas, para coroar seu cinismo, Netanyahu derrubou o governo liderando uma votação contra a renovação de um sistema legal de dois níveis que permite a colonos israelenses viver na Cisjordânia sob a lei civil israelense, em vez de serem regidos pela lei militar com a qual Israel governa os palestinos.

Esse sistema em dois níveis vem sendo renovado regularmente, e a base de Netanyahu formada por habitantes dos assentamentos não pode sobreviver sem ele. Mas, para negar ao governo de união a capacidade de negar, Netanyahu mobilizou um voto contra o sistema. O slogan tácito de Bennett era "temos um país para administrar". O de Netanyahu era "temos um governo para derrubar".

Apesar de seu governo ter durado apenas um ano, Bennett, Lapid e Abbas provaram que o aparentemente impossível é possível, e muitos israelenses apreciaram isso. Essa realidade, aliada à nova matemática da política israelense, me leva a crer que a coalizão pode voltar um dia.

Que matemática é essa? Os partidos israelenses de centro-esquerda e de centro-direita, somados, não têm votos suficientes para facilmente formar uma maioria para governar. Mas os partidos de direita, tampouco. No passado, os partidos religiosos se leiloavam para formar coalizões de esquerda ou de direita, dando seus votos à coalizão que lhes oferecesse mais verbas para escolas religiosas ortodoxas.

Mas, graças a Netanyahu e seus amigos, os partidos religiosos israelenses foram radicalizados e passaram a se recusar a formar governos com a centro-esquerda. Esta, por sua vez, rejeita cada vez mais a obrigação de ter que comprar o apoio dos partidos ortodoxos. Então adivinhe quem veio para tomar o lugar dos partidos religiosos judaicos? Um partido muçulmano árabe israelense liderado por Abbas.

A maioria dos árabes israelenses geralmente evitava participar da política israelense; eles criavam seus próprios partidos de extrema esquerda, pró-palestinos e em grande medida irrelevantes, que geralmente eram rejeitados pelos partidos judaicos como parceiros. Mas os árabes israelenses compõem mais ou menos 21% da população de Israel. Com os judeus divididos meio a meio, os árabes israelenses têm o potencial de se tornar o novo voto decisivo e de usar esse poder para conseguir mais verbas para suas escolas, cidades e polícia. Esse foi o grande insight de Mansour Abbas.

Com esse objetivo em mente, ele basicamente mandou os outros partidos árabes israelenses baterem em retirada, porque buscaria se aproximar do centro na política israelense. Embora alguns membros de sua base tivessem resistido, Abbas recebeu o apoio de muitos árabes israelenses que estão fartos da corrupção e da incerteza na Autoridade Palestina, na Cisjordânia, e da brutalidade e incompetência do Hamas, em Gaza. Queriam, em vez disso, enfocar sua vida em Israel.

Bibi enxergou essa ameaça imediatamente. Tentou atrair Abbas para sua própria coalizão. Quando isso não deu certo, ele, numa atitude típica de Bibi, tentou tornar Abbas radioativo para que ninguém mais pudesse se alinhar a ele. Como divulgou o Times of Israel, Netanyahu alegou falsamente que o partido de Abbas "é antissemita, antissionista, que apoia o terrorismo e representa a Irmandade Muçulmana, que quer destruir Israel". Bibi também acusou Bennett de governar "com apoiadores do terrorismo".

Não chega a surpreender: Netanyahu não pode permitir que os árabes israelenses tornem-se o voto decisivo, especialmente um líder árabe israelense como Abbas, que não contesta a legitimidade de Israel e reconhece a dor do Holocausto. Em discurso que fez no Knesset dois anos atrás, Abbas disse: "Curvo-me diante do heroísmo das mulheres e dos homens que iniciaram o levante do gueto de Varsóvia".

O filósofo religioso Moshe Halbertal, da Universidade Hebraica, resumiu: a coalizão israelense "foi um avanço muito promissor de governança compartilhada de árabes e judeus em Israel; ninguém poderá apagá-la, mesmo com todas as pressões ultranacionalistas que retratam os árabes israelenses como uma quinta coluna. Então agora os eleitores israelenses terão que decidir: querem um país que seja inclusivo e capaz de oferecer respeito e dignidade a todos seus cidadãos ou um país baseado na negação do outro?".

Por essa razão, disse Halbertal, "a alma de Israel estará em disputa na nossa próxima eleição".

E é esse o caso da América, também. Hutchinson, ex-assessora da Casa Branca na administração Trump, deixou isso dolorosamente claro no Capitólio na terça, quando falou com eloquência de como seu próprio senso de patriotismo e dever como americana foi violado pelas ações de Trump e de seus aliados.

Hutchinson não falou de política eleitoral, mas fez algo muito mais importante: com seu depoimento, ela nos forçou a perguntar a nós mesmos que tipo de país queremos ser, que espécie de líderes queremos ter, que espécie de alma habita o íntimo dos EUA.

Tradução de Clara Allain

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