Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Eu estava enganado sobre a censura na China

Colunista do NYT revisita análises e explica por que se enganou sobre o país asiático

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Thomas L. Friedman
The New York Times

Entre as questões mais importantes com as quais tenho me debatido desde que me tornei colunista em 1995 estão se, quando e com que rapidez a China abrirá seu ecossistema de informações para permitir um fluxo muito mais livre de notícias sem censura, de fontes chinesas e estrangeiras. Confesso que fui muito otimista. E me declaro culpado.

Mas ainda não tenho certeza se sou culpado de 1) apenas otimismo prematuro sobre algo que é necessário e inevitável —se a China pretende desenvolver uma economia de alta tecnologia; 2) total ingenuidade sobre algo altamente improvável, dada a estrutura política autoritária da China; ou 3) desejar algo para a China que é necessário, mas impossível.

Ainda espero que seja 1. Temo que seja 2. E me desespero se for 3.

Homem caminha em frente a mural com emblema alterado do Partido Comunista Chinê - Aly Song - 28.jan.22/Reuters

Para resolver tudo isso, vamos para a fita de vídeo.

Em minhas viagens à China na década de 1990 e no início de 2000, impressionou-me como a imprensa de economia parecia ser muito mais livre do que a de política –impressão que tirei de artigos traduzidos que li e entrevistas que dei a meios de comunicação de negócios chineses.

Não era minha imaginação: naquela época, algumas das dicas mais interessantes e precisas sobre política na China muitas vezes apareciam primeiro na imprensa chinesa de negócios ou em jornais de regiões mais abertas a negócios com o mundo.

Por exemplo, um dos veículos mais ousados no início dos anos 2000 foi o Southern Weekly (semanário sulino), com sede em Guangzhou, que, como observou a revista Foreign Policy, "muitas vezes canalizava as perspectivas frequentemente negligenciadas de grupos desfavorecidos, como migrantes, manifestantes e peticionários do governo" e "atraiu um amplo público leitor que incluiu autoridades governamentais e o público em geral".

Minha esperança era que, à medida que a China se integrasse ainda mais à economia global, a imprensa de negócios fosse a cunha que abriria a mídia em geral, porque os investidores e os inovadores necessitavam de notícias precisas, não de propaganda, para crescer e competir globalmente —e porque a próxima geração de inovadores e engenheiros chineses não alcançaria seu pleno potencial sem ter acesso a um fluxo de informações relativamente livre.

Então eu escrevi ousadamente em meu livro de 1999, "The Lexus and the Olive Tree" (o Lexus e a oliveira), que "a China terá uma imprensa livre. [...] Ah, os líderes da China ainda não sabem, mas estão sendo empurrados nessa direção".

O melhor que posso dizer hoje sobre essa observação é que espero que tenha sido apenas prematura!
Também escrevi em minha coluna no New York Times em 21 de novembro de 2009, "Conselhos da vovó", que se Pequim se recusasse a permitir um nível decente de fluxo de informações na internet e no discurso público —fosse pela única razão de impulsionar o empreendedorismo e a inovação—, a China nunca conseguiria ultrapassar a economia dos Estados Unidos em dinamismo no século 21.

Como eu disse: "Lembre-se do que a vovó costumava dizer: nunca ceda um século a um país que censura o Google".

Também escrevi sobre esse tema em minha coluna em 13 de dezembro de 2006, na qual argumentei: "Desculpe, mas ainda não estou pronto para ceder o século 21 à China". Claro, o país "foi capaz de acionar um esforço impressionante para acabar com o analfabetismo, aumentando muito o número de graduados no ensino médio e de novas universidades. Mas ainda acredito que é muito difícil produzir uma cultura de inovação em um país que censura o Google —o que para mim equivale a restringir a capacidade das pessoas de imaginar e experimentar o que quiserem".

Durante muitos anos a China pareceu avançar na direção da minha previsão. É difícil de acreditar agora, mas na década de 1990 e no início de 2000 eu conseguia dar aulas livremente em universidades chinesas, fazer palestras em livrarias em Pequim e Xangai e até viajar pela província de Jilin em um microônibus fazendo reportagens sobre eleições nas aldeias, com pouca supervisão do regime, quanto mais censura.

Na verdade, todo o setor de informação da China está muito mais aberto hoje do que há 32 anos, quando comecei a visitar o país. O problema é que hoje também está muito mais fechado do que dez anos atrás.

Houve uma reversão pronunciada na trajetória desde que Xi Jinping se tornou chefe do Partido Comunista Chinês, em 2012, e depois líder do país, em 2013. Basta ver o Southern Weekly. Sua voz vanguardista foi esmagada pelos censores do governo e guardiões da propaganda em 2013, alguns meses depois de Xi se tornar secretário-geral do partido.

Acredito que a China pagará um preço cada vez maior pela perda desse tipo de jornalismo honesto —tanto em termos de poder revelar problemas ocultos quanto em termos de liberdade para inovar e desafiar os operadores em atuação no mercado com novas ideias.

Em um mundo no qual o ritmo da mudança está se acelerando, é vital a capacidade de ver para onde o mundo vai, adaptar-se rapidamente e corrigir o curso. Xi pensa o contrário. Ele não apenas apertou os parafusos em toda a mídia chinesa, como, ao mesmo tempo, reprimiu os inovadores tecnológicos e até analistas de negócios.

Nenhum líder é infalível, e o fato de que a imprensa chinesa teve de tratar Xi como tal significou que era impossível internamente pedir uma resposta chinesa mais sutil à pandemia de Covid —em vez da estratégia de Xi de confiar apenas em suas próprias vacinas inferiores, em bloqueios e quarentenas em massa, que funcionaram até que deixaram de funcionar.

Se a China tivesse um ecossistema de notícias mais livre —na mídia e nas redes sociais—, no qual especialistas em saúde pudessem conduzir um debate público animado sobre estratégias alternativas ou em que cidadãos que ficaram trancados durante semanas pudessem desabafar, o país poderia não estar na situação atual, com dezenas de milhões de cidadãos sendo forçados a fazer quarentena e perdendo a confiança na propaganda otimista do governo.

O chefe de pesquisa do Bank of Communications International da China, Hong Hao, que tinha 3 milhões de seguidores no Weibo, a versão chinesa do Twitter, teve sua conta suspensa por fazer "comentários econômicos negativos sobre os efeitos do atual bloqueio em Xangai, inclusive no Twitter".

Xi e o Partido Comunista Chinês estão reafirmando sua crença de que uma imprensa livre no sentido ocidental não é um pré-requisito para se integrar efetivamente à economia global ou dominar as indústrias mais avançadas do século 21.

Quando você observa como a China cresceu em apenas quatro décadas de um país pobre para um país de renda média com infraestrutura incrível, teria que dizer que Xi não é louco para acreditar nisso. (E quando você observa como as redes sociais dividiram as sociedades ocidentais e amplificaram mentiras e mentirosos, também teria de perguntar se a China não perdeu algo e ao mesmo tempo ganhou algo com seus controles mais rígidos.)

Mas quando você pensa em quanta tecnologia a China não apenas inventou, mas também teve que roubar do Ocidente porque não conseguiu inventá-la —e continua tentando roubar—, você seria louco se dissesse que Xi é uma aposta certeira.

E quando você pensa em como as tecnologias mais avançadas do século 21 —como vacinas, softwares, microchips, robôs, computadores e avanços biomédicos, para citar apenas alguns— são muitas vezes o produto de colaborações globais, porque nenhum país tem todo o talento e todo mundo precisa de parceiros confiáveis, você seria maluco se não temesse que Xi esteja cometendo um grande erro.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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