Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu The New York Times

Só Arábia Saudita e árabes-israelenses podem salvar Israel como democracia judaica

País não será uma democracia viável se mantiver indefinidamente a ocupação da Cisjordânia

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The New York Times

É ótimo ver o presidente Joe Biden visitando o Oriente Médio. Os Estados Unidos há muito desempenham um papel vital no avanço do processo de paz na região. Como alguém que acompanha o Oriente Médio há décadas, porém, posso dizer que estou vendo algo novo, tão irônico quanto surpreendente: só a Arábia Saudita e os árabes-israelenses podem salvar Israel como uma democracia judaica hoje —não os EUA.

Isso porque, por diferentes razões, os eleitores árabes-israelenses e a Arábia Saudita têm mais poder do que nunca para forçar os israelenses a escolher: eles podem ter um Estado democrático em Israel e na Cisjordânia, mas com o tempo, com as altas taxas de natalidade árabes, talvez ele não seja judeu. Eles podem ter um Estado judeu em Israel e na Cisjordânia, mas não será democrático. Ou podem ter um Estado judeu e democrático, mas não poderão ocupar permanentemente a Cisjordânia.

Essas opções existenciais estão com Israel desde 1967, quando capturou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental na guerra. Mas Israel tem se recusado cada vez mais a escolher, tanto que em suas últimas quatro eleições em dois anos os partidos políticos —tanto de direita quanto de esquerda— de modo geral ignoraram totalmente a "questão palestina". Isso foi alarmante.​

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o príncipe saudita Mohammed bin Salman em cúpula em Riad - Mandel Ngan - 16.jul.22/Pool/Reuters

Não precisa ser assim quando Israel for às urnas pela quinta vez em menos de quatro anos, em 1º de novembro. Enquanto os EUA se cansaram do processo frustrante de persuadir israelenses e palestinos a uma solução de dois Estados, a Arábia Saudita e os árabes-israelenses agora podem ocupar esse papel —e espero que o façam. O futuro de Israel como Estado judeu e democrático pode depender disso.

Qual é a lógica? Começando pelo fato mais óbvio: Israel não será uma democracia viável se mantiver indefinidamente a ocupação da Cisjordânia, com cerca de 2,7 milhões de palestinos. Essa ocupação envolve estender a lei israelense aos judeus que vivem na Cisjordânia, enquanto governam os palestinos sob um código militar diferente, com direitos e oportunidades muito reduzidos de possuir terras, construir casas e negócios, comunicar-se, viajar e organizar-se politicamente.

Essa ocupação pode não ser igual à do apartheid sul-africano, mas é uma prima feia e moralmente corrosiva para Israel como uma democracia judaica. Está se tornando tão alienante para os amigos liberais de Israel, incluindo as gerações mais jovens de judeus americanos, que, se continuar, Biden poderá ser o último presidente americano democrata pró-Israel.

Com certeza, Israel sozinho não é responsável por esse impasse, e progressistas e propagandistas palestinos que vendem essa ideia nos campi universitários estão sendo desonestos.

A segunda revolta palestina, em 2000, fez muito para destruir a credibilidade do campo de paz israelense. Essa revolta desencadeou uma onda de atentados suicidas contra judeus israelenses, logo após o premiê Ehud Barak e o presidente Bill Clinton terem feito propostas de paz a Yasser Arafat para estabelecer um Estado palestino desmilitarizado na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental –que Arafat rejeitou. Repetidos ataques com foguetes do Hamas, partindo de Gaza, apenas agravaram a insegurança israelense.

Porém, muitos apoiadores de Israel nos EUA ficaram calados durante os 12 anos de Binyamin Netanyahu. Ele fez tudo o que pôde para desacreditar a Autoridade Palestina como um parceiro na paz –nunca dando crédito por seus esforços para conter a violência palestina contra israelenses e trabalhando para tornar impossível uma realidade de dois Estados ao instalar colonos judeus nas profundezas da Cisjordânia, além do muro de contenção israelense, em áreas necessárias para um futuro Estado palestino.

Os palestinos, por sua vez, deram um tiro no pé ao se dividirem —a Autoridade Palestina na Cisjordânia e o grupo fundamentalista islâmico Hamas em Gaza— e expurgarem o primeiro-ministro da Autoridade Palestina mais eficaz, honesto e confiável de todos os tempos, Salam Fayyad, que atuou de 2007 a 2013.

Some tudo isso e verá por que as eleições israelenses mais recentes ignoraram a ameaça existencial colocada ao Estado judeu por sua contínua ocupação da Cisjordânia. Para a maioria das pessoas era: longe dos olhos, longe da mente. E não admira que os EUA tenham recuado do envolvimento ativo na área —até que Donald Trump deu a seu genro, Jared Kushner, carta branca para apresentar seu plano.

É uma longa história, mas o resumo é que tanto Netanyahu quanto os palestinos rejeitaram a proposta de Kushner de uma solução de dois Estados. No entanto, em vez de permitir que tudo desmorone, o xeque dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed, inspirado por seu embaixador nos EUA, Yousef al-Otaiba, propôs paz, comércio e turismo totais com Israel se os israelenses concordassem em não anexar unilateralmente o território na Cisjordânia atribuído a Israel no plano Trump. E assim nasceram os Acordos de Abraão, nos quais Emirados, Bahrein, Marrocos e Sudão abriram relações diplomáticas com Israel.

O que me leva aos sauditas. Para Israel, a paz com Riad é o grande prêmio. Abre a porta para a paz com todo o mundo muçulmano sunita e acesso a um imenso reservatório de capital de investimento.

Mas autoridades sauditas me disseram que seu apoio não será barato. O enfermo monarca saudita, o rei Salman, sempre teve uma profunda ligação emocional com a causa palestina. E seu filho e governante de fato, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, também conhecido como MbS, sabe que, se a Arábia Saudita forjar uma paz com Israel por baixo custo, o Irã, arqui-inimigo, a usará para lançar uma jihad de propaganda contra a Arábia Saudita em todo o mundo muçulmano. Isso seria feio.

Apesar dessas armadilhas potenciais, Israel e Arábia Saudita têm discutido secretamente os termos para normalizar as relações. Suspeito que os sauditas vão querer que esse momento de virada de jogo se desdobre em duas etapas. Dennis Ross, ex-enviado dos EUA para o Oriente Médio, me disse que, para começar, os sauditas poderiam se oferecer para abrir um escritório comercial em Tel Aviv, que tanto serviria aos interesses econômicos quanto "seria um grande passo psicológico em direção a Israel".

Em troca, os sauditas poderiam exigir que Israel suspenda todas as construções de assentamentos a leste da barreira de segurança israelense na Cisjordânia e aceite que o plano de paz árabe para uma solução de dois Estados seja a base das negociações com os palestinos. Tal compromisso significaria que os israelenses não construiriam mais "em 92% da Cisjordânia, preservando dois estados como opção", disse Ross, observando que hoje cerca de 80% dos colonos israelenses vivem a oeste da barreira.

A segunda etapa viria com o fim da ocupação israelense e um acordo de paz com os palestinos: os sauditas poderiam prometer abrir uma embaixada para Israel em Tel Aviv e uma embaixada para os palestinos em Ramallah, na Cisjordânia —ou uma para Israel em Jerusalém Ocidental e uma para os palestinos em Jerusalém Oriental, árabe. Seria a escolha de Israel, mas teriam que ser embaixadas para ambos. Israel também teria que se comprometer a preservar o status quo no Monte do Templo em Jerusalém, que é sagrado para todos os muçulmanos.

O presidente israelense, Isaac Herzog, o presidente americano, Joe Biden, o premiê israelense, Yair Lapid, o ex-premiê Naftali Bennett e o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em cerimônia no aeroporto Ben Gurion, em Lod, perto de Tel Aviv, Israel
O presidente israelense, Isaac Herzog, o presidente americano, Joe Biden, o premiê israelense, Yair Lapid, o ex-premiê Naftali Bennett e o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em cerimônia no aeroporto Ben Gurion, em Lod, perto de Tel Aviv, Israel - Amir Cohen/Reuters

Eu não esperaria que Israel aceitasse qualquer uma dessas propostas, especialmente considerando seu atual governo interino. Mas posso garantir 100% que, se os sauditas as tornassem públicas, eles teriam um papel central na eleição de 1º de novembro em Israel e ajudariam a provocar o tipo de debates e a criatividade necessários para preservar Israel como Estado democrático.

É aí que entram os árabes-israelenses: esse impulso da Arábia Saudita poderia ser reforçado por eles nas eleições. Aqui está uma matemática eleitoral israelense simples: nem a coalizão de centro-esquerda nem a coalizão nacionalista religiosa de direita, isoladamente, tem votos suficientes para criar uma maioria governante estável agora. É por isso que Israel continua tendo eleições.

Como resultado, os árabes-israelenses, que representam 21% da população e geralmente ganham cerca de 12 cadeiras no Knesset, substituíram os partidos religiosos judaicos ortodoxos de Israel como o bloco de votação oscilante. O último primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, só conseguiu formar uma estreita coalizão com o recrutamento do partido religioso árabe israelense Raam.

Se cada partido árabe-israelense declarasse que só entraria em um governo liderado por judeus que concordasse em negociar com os palestinos com base nas propostas sauditas, novamente garanto que a ocupação israelense da Cisjordânia —o maior problema existencial enfrentado por Israel— estaria na frente e no centro das próximas eleições. E é por isso que eu defendo que apenas a Arábia Saudita e os árabes israelenses podem salvar Israel como uma democracia judaica.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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