Não é de hoje que penso na vida que as palavras têm desde sua origem. O mundo das palavras corre paralelo ao mundo da vida. As palavras, como a vida, nascem, evoluem, morrem ou caem em desuso.
As palavras, também como os humanos, têm suas histórias, suas formas e seus costumes. Por isso, é bastante impressionante que algo dito de uma forma hoje no passado teve outro sentido, até outro significado. A etimologia, como se sabe, é a parte da gramática que estuda a história ou a origem das palavras. A etimologia não é só ciência, também é uma forma de arte.
Existem alguns termos ou expressões que ficam em nossa memória, que na maioria das vezes a gente só repete, sem se ater ao seu verdadeiro significado. Isso acontece comigo, como deve acontecer com muitos que, neste momento, leem esta ligeira crônica.
Outro dia, lendo o delicioso livro "Mário de Andrade por Ele Mesmo", do Paulo Duarte, que reúne cartas trocadas pelos dois amigos a partir do ano de 1932, deparei com uma expressão de despedida do Mário no final das cartas, onde ele escrevia "Ciao com abraço...". O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, que não tem qualquer parentesco com o paulistano Mário, também tinha o mesmo hábito em suas missivas.
Fui investigar a palavra, sua história, sua origem. A acepção vem do dialeto de Vêneto, região norte da Itália, onde se fala um milhão de dialetos. Este se origina de "sciao" –uma redução do termo "schiavo", que quer dizer escravo, que, por sua vez, traz referência do latim medieval "sclavus". A partir de um encontro, ou despedida, era comum dizer "sono vostro schiavo" ou "servo vostro", em português, "sou seu escravo" ou "seu criado", numa tradução literal. Portanto, Drummond e Mário consideravam-se escravos da amizade que os unia intelectualmente, até porque o sinônimo do termo tem o sentido de servidão, aqui como sinal de disponibilidade, de cortesia, de "estou às ordens".
Em língua portuguesa, a palavra –"ciao" ou "sciao"–, no entanto, assume um outro formato e novas designações. Com o tempo, e a imigração italiana para o Brasil, a saudação se aportuguesou, sendo usada popularmente como "tchau", forma emprestada do espanhol sul-americano "chau", que por aqui tem o sentido de "até logo" ou "adeus".
"Adeus", por sua vez, também é uma palavra derivada de um vocabulário expressivo, ou seja, não tem uma origem definida. Partiu da corruptela da frase "A Deus vos recomendo", usada pelos padres desde velhos tempos, quando chamados para "encomendar a alma", especialmente àqueles que se destinavam ao paraíso. Aos poucos, foi se amoldando na forma que a conhecemos hoje.
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Como estamos nos tempos extremos, de ofensas descabidas por homens que deveriam zelar pela moralidade e o respeito públicos, e de guerra, como a que ocorre entre a Rússia e a Ucrânia, cabe destacar duas palavras seminais para o momento, com grande força nas redes sociais e na mídia: mentira e Putin.
A primeira se relaciona diretamente ao deputado Arthur do Val (Podemos-SP), que na sua desastrosa viagem –pilantrópica– à Ucrânia, deixou em áudio o teor da sua "boa" intenção naquele país europeu, ao se referir de forma ultrajante às mulheres ucranianas, expondo todo seu machismo e misoginia.
Derivada do latim "mentiri", o verbo faz alusão a uma falsa realidade, quando se afirma algo sabendo que é falso. Ou seja, as mulheres ucranianas não são, ao contrário do que tentou nos incutir Arthur do Val, "fáceis" e muito menos estão à disposição do deputado pimpão, falastrão e mentiroso. Por aqui, a palavra "mentir" tem largo emprego em sinônimos, e todos se encaixam feito uma luva para o deputado —falsidade, fraude, embuste, farsa, trapaça, lorota, balela.
A segunda menção se aplica ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. É curioso o significado de "putin", etimologicamente. Confiram em pesquisas para ter mais detalhes.
Segundo o site Russia Beyond, não se sabe onde o sobrenome nasceu, mas "como os sobrenomes da categoria mais difundida, terminados em ‘ov’ ou ‘ev’, os terminados em ‘in’ se formaram ou do nome de um ancestral ou da ocupação dele ou, ainda, de alguma característica distintiva de uma pessoa ou relacionada a seu nascimento ou vida". De acordo ainda com a mesma publicação, a teoria indica que o sobrenome "Putin" tem "raízes em alguém chamado Putai".
"Putai", portanto, indica pessoa "nascida na estrada" –e estrada em russo é "put", que quer dizer caminho—, ou aquela que está presa em roupas —que, no idioma de Púchkin (1799-1837), o Camões da literatura russa, mas tão negro como Machado de Assis—, e roupas significa "puti", ou sinônimo de embaraço, aquele ou aquela que está sob algo embaraçoso.
Por este ponto de vista, "Putai" remete ao mais famoso ancestral dos "Putin", o Vladimir, o espécime mais popular de toda árvore genealógica da família, desde os primórdios da antiga União Soviética. Sem trocadilhos, o nome se molda bem ao personagem.
Não é à toa que a origem da palavra "etimologia", do grego "ethymon", que dizer verdade –e sobre isso me escoro no abalizado professor e amigo Deonisio da Silva, autor do livro "De Onde Vêm as Palavras", sucesso que já emplacou a 18ª edição.
Nos casos do deputado Arthur do Val e do presidente Vladimir Putin, a verdade está posta, não há a menor controvérsia. E o leitor ou a leitora, quais palavras parecem estranhas no seu dia a dia e quais conhece que foram modificadas com o tempo? Destaque nos comentários.
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