Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Descrição de chapéu Filmes

'O Pai da Rita', com Ailton Graça, traz protagonismo de negros ao cinema

Filme de Joel Zito Araújo tem elenco de grandes atores, com participação de revelação no Festival do Cinema Negro

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Não somos mais ou menos humanos —somos humanos, de fato. A naturalização da existência –preceito da condição de nossa vida– é que nos transforma e nos condiciona.

Estas são partes das reflexões que me acudiram após participar da pré-estreia de "O Pai da Rita", filme brasileiro dirigido pelo experiente cineasta Joel Zito Araújo, já em exibição nas melhores salas de cinemas do país.

Joel Zito é o mesmo diretor do esplêndido "Filhas do Vento", longa de 2005, que reuniu o verdadeiro quarteto fantástico das telas brasileiras à época –Ruth de Sousa, Taís Araújo, Maria Ceiça e Dani Ornellas e contou com a participação especial do ator Milton Gonçalves e da cantora e atriz Thelma de Freitas.

cena de filme
Ailton Graça em cena do filme 'O Pai da Rita', de Joel Zito Araújo - Divulgação

Além de "Filhas do Vento", Joel Zito já tem no currículo documentários e filmes ficcionais bem representativos, como "A Negação do Brasil", vencedor do festival É Tudo Verdade e "Meu Amigo Fela", espécie de cinebiografia de Fela Kuti –o genial nigeriano nascido Olufela Olusegun Oludotun Ransome Kuti, que viveu entre 1938 e 1997.

O longa-metragem, que estreou no dia 19 de maio, tem um elenco potente, o festejado Aílton Graça, a histórica Léa Garcia, o grande Wilson Rabelo –com ótimo papel no premiado "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que teve Sônia Braga no elenco– e Elisa Lucinda, esta não só uma grande atriz, mas uma múltipla artista, do palco, das telas e da palavra, pois é poeta e romancista de talento.

O filme traz para a cena cinematográfica Jéssica Barbosa, no papel de Rita, a misteriosa filha de pais desconhecidos, e a participação muito especial de Paulo Betti, um craque, que traz para o filme de Joel Zito um toque de hilaridade com seu requinte e sutileza interpretativa, que tem marcado sua trajetória, sobretudo, na televisão.

Eu saí do cinema, na sessão realizada em São Paulo, trazendo o filme comigo para casa. O quanto um filme –que procura narrar a história de alguém que quer conhecer a identidade do seu verdadeiro pai– aciona gatilhos dentro da gente.

A história conta a aventura de Roque e Pudim, dois sambistas do bairro do Bexiga, em São Paulo, ligados à tradicional escola de samba Vai-Vai. Os dois, no passado, se apaixonaram por uma bela passista da escola e todo esse enredo volta à tona com o surgimento da filha, que tem o mesmo nome da mãe, que surge à procura do pai, que ela não sabe exatamente quem é, se o boêmio e mulherengo Pudim —Aílton Graça, que rouba a cena em alguns momentos do filme— ou o sisudo e talentoso compositor Roque –vivido pelo ator Wilson Rabelo.

"O Pai da Rita", roteirizado por Di Moretti, não é um filme de ação, é um filme de emoção. E é sobre a ótica de processos emocionais que ele precisa ser visto. A situação do filme pode ser observada em todos os recantos do país. No Brasil, em 2020 e 2021, mais de 320 mil crianças foram registradas sem o nome do pai –ao todo, 160.407 bebês tiveram apenas o registro da mãe no primeiro ano mencionado e 167.339 no ano seguinte. É uma calamidade que o filme expõe de forma artística e leve.

O filme de Joel Zito, aliás, entre lembranças e conflitos, talvez inconscientemente, traz esse assunto para uma nova ordem do dia. Inspirado livremente na canção "A Rita", do compositor Chico Buarque, que chega a entrar na história do filme como suposto pai também, mas não aparece na telona colorida, é uma comédia dramática, "mas um filme leve, feliz", como disse o seu diretor no discurso de abertura da sessão da película.

Quero destacar ainda no filme mais uma grande referência nos projetos cinematográficos realizados por Joel Zito, a presença de forte elenco negro. Lázaro Ramos, na direção de "Medida Provisória" —ainda nos cinemas—, repescou esse potencial, tanto ignorado pela cinematografia brasileira e pelas grandes produtoras, do qual Joel Zito é pioneiro –não só com o já clássico "Filhas do Vento", mas em importantes documentários como "Raça", realizado em parceria com Megan Mylan, documentarista americana que conquistou o Oscar na área em 2009.

O diretor Joel Zito Araújo dirige a atriz Léa Garcia durante as filmagens do filme 'Filhas do Vento', lançado em 2004 - Divulgação

Em "O Pai da Rita" ele repete a dose trazendo grandes atores e atrizes, além das boas cenas proporcionadas com a interpretação de Jéssica Barbosa –atriz revelação no Festival do Cinema Negro em 2009. Juntam-se a ela Nathália Ernesto e o próprio diretor, que aparece em uma das cenas.

É preciso assistir a "O Pai da Rita" com atenção e cuidado. O filme inicia bem, com o samba da velha dupla Roque e Pudim, ambos da velha guarda da tradicional da escola de samba do Bexiga, e fica lento lá pelo meio, recuperando o tom inicial já no final. Paulo Betti, na pele do intruso garçom Sauro, é uma ótima pedida, mas Léa Garcia continua no pódio das grandes damas do cinema nacional.

Ao final, qual a conclusão? Aqui nenhuma, pois espero que vejam o filme para descobrir. Mas a personagem vivida por Jéssica Barbosa, a Rita do filme, empreende uma verdadeira saga na busca da identidade do pai, fazendo com que os dois velhos amigos de décadas –Roque e Pudim– se estranhem no final. É engraçado e provoca risos.

O roteirista e o diretor encontraram uma ótima solução para encerrar o filme, um dos seus trunfos, o que traz uma certa frustração para quem gosta de soluções prontas e cenas perfeitas. É e não é o caso. Ou seja, "O Pai da Rita" não é risível, mas uma obra pensante, apesar de tudo. São quase duas horas de uma sessão de cinema que nos faz voltar para casa com o filme na cabeça.

Este, sem dúvida, tem sido um dos grandes méritos do cineasta Joel Zito Araújo.

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