Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Saiba quem é Leonardo Bastião, poeta analfabeto do sertão de Pernambuco

Seus versos transmitem a sensibilidade de um grande artista popular, lenda viva e mensageiro da poesia oral

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Um homem simples, da cidade de Itapetim, sertão de Pernambuco, vem despontando no mundo da poesia. O nome dele é Leonardo Bastião, ou Leonardo Pereira Alves, de 78 anos, nascido sem eira nem beira, no sítio Goiana, às margens do rio Pajeú, mas que vem se destacando após o youtuber Bernardo Ferreira, do canal Bisaco do Doido, gravá-lo declamando suas poesias e postá-las nas redes sociais.

Até então ninguém tinha a menor ideia de quem era esse "matuto", tampouco que ele fosse um "autor espirituoso" ou que um poeta com "doutorado nas ciências da inspiração", como demonstram as dezenas de gravações onde o vate diz, de memória, os versos que compõe, mesmo sem saber escrever nem ler.

O poeta Leonardo Bastião faz poesia inspirado no que vê no seu sítio, no sertão de Pernambuco
Leonardo Pereira Alves em cena do filme 'Leonardo Bastião, O Poeta Analfabeto' - Jefferson Sousa/Arquivo Pessoal

O aclamado Leonardo Bastião não tem escolaridade definida —alguns o tachariam de analfabeto— mas é dono de composições que enfeixam versos bastante geniais, como estes: "A sombra que me acompanha/ Não é a mesma que me socorre/ Se eu andar ela anda/ Se eu correr ela corre/ É mais feliz do que eu/ Não adoece e nem morre".

Estes são os versos iniciais de "A Sombra", um dos 54 poemas que compõem o livro "Leonardo Bastião: Minha Herança Matuta", editado pela ação de uma tríade de admiradores, igualmente poetas: Zé Adalberto, Lenelson Piancó e Wennys Cavalcante, todos também da região de Itapetim, ou da chamada "caatinga que o rodeia".

Leonardo Bastião realmente é um fenômeno. Ele difere de muitos poetas do gênero surgidos nesses recantos do país. Como a pernambucana Luna Vitrolira, também da região de Pajeú, autora do livro "Aguenta - O Amor às Vezes É Isso", finalista do prêmio Jabuti de 2019 e que esteve em eventos como a Flup – Festa Literária da Periferia. Para a jovem Vitrolira, a "voz é vontade de existência", mesclando tristezas que precisam ser expurgadas, para se criar, a partir daí, uma nova beleza.

Este é o ponto de essência que une os poemas de Leonardo Bastião com a terra que ele pisa. Além do mais, Bastião é um homem do povo, que vive na mesma roça onde nasceu em 1944, filho de dois outros roceiros, e, como ele, sem qualquer acesso ao letramento.

Beleza e simplicidade legitimam a humilde realização poética desse gênio da poesia rural. E que assim se define: "Aquela casa do mato/ Que já tá quase esquecida/ É ali onde eu resgato/ O meu passado de vida/ Resgato o tempo vivido/ E fico muito arrependido/ Porque não aprendi ler/ E entre a casa e a jurema/ Eu só não fiz um poema/ Porque não sei escrever".

A natureza pobre e triste também é referência desde sua infância. Bastião diz: "Me criei numa casinha/ Numa pobreza danada/ Minha mãe não tinha nada/ E o meu pai também não tinha/ Lutou a vida todinha/ Morreu e não conseguiu/ E o suor que ele istruiu/ Ficou naquele lugá/ Que a sorte nunca foi lá/ Nem a pobreza saiu".

Sobre o seu lugar, sobra tristeza que ele versa em inspiradores poemas. Mas além da política, como os versos fesceninos, tão populares na Antiguidade, também alimentam a verve do poeta matuto alguns de grande atualidade, como estes: "O Brasil só vai prestar/ Quando um dia aparecer/ Quem crie uma leis pesada/ Pra o criminoso temer/ E assim sarvava as pessoa/ Que sofre sem merecer".

Ler Leonardo Bastião é tomar uma saraivada de ensinamentos do tamanho da nossa pequenez. No trecho do poema "Coisas do Sertão", popularizado nos vídeos gravados por Bernardo Ferreira, encontramos estas estrofes, brilhantes e geniais: "Tudo que o homem estudou/ Pra natureza foi pouco/ Ele não faz um coqueiro/ E se inventar fica louco/ Caçando a encanação/ Que leva água do chão/ Pra botar dentro do coco".

Itapetim, onde o poeta se orgulha de ter nascido, é conhecida como "ventre imortal da poesia", onde também há outra estrela, que é "o poeta da enxada", Pedro Tenório de Lima.

O documentarista Jefferson Sousa dirigiu e produziu, juntamente com Bernardo Ferreira e José Robernito, o filme "Leonardo Bastião, O Poeta Analfabeto", de 2019, já exibido em mais de dez países, entre os quais Rússia, Índia e Japão. É um curta-metragem que ajuda a explicar a "genialidade" e a "sensibilidade" desse grande artista popular, uma lenda viva como mensageiro da poesia da oralidade.

O resgate e a valorização de Bastião é um passo importante para enxergarmos um outro Brasil, esse rural, encrustado no interior do país. O preconceito com sua gente também se reflete, injustamente, em sua arte.

Mas Leonardo Bastião tem uma firme resposta para quem não lhe dá o devido valor. "Meus verso é feito das coisa/ Que eu vejo em cima do chão/ Poesia é a minha fonte/ Todo poeta é irmão/ E aquele que me censura/ O que ganhou em leitura/ Perdeu em educação." Ficamos com a sabedoria desse poeta que muito nos tem a dizer.

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