Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Tom Farias

O racismo é um fantasma da escravidão que ainda assombra o povo brasileiro

A branquitude é um projeto de controle social no sentido de demarcar acessos e barreiras para determinados grupos

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O racismo ainda é algo muito difuso em nosso país, sobretudo entre as classes dominantes. Alguém por aí irá dizer que já se passaram 134 anos da abolição da escravatura no Brasil e que tudo o que estou falando não passa de "mimimi", mas a verdade verdadeira dos fatos nos leva a crer que a questão é muito mais séria do que imaginamos.

Eu sou de opinião que, enquanto os meios de produção, os grandes conglomerados comerciais, os meios de comunicação, como os jornais e a televisão, os centros de formação profissional, sobretudo tecnológicos, as universidades —sejam públicas ou privadas—, o comando do país, seja pelo Legislativo, seja pelo Executivo, estiverem nas mãos apenas de pessoas brancas, como ocorre hoje, jamais teremos uma solução plausível sobre a questão racial entre nós.

A política demonstra enormemente tudo o que estou dizendo. O horário eleitoral, as plataformas dos partidos, a maciça bancada de deputados federais e estaduais, eleita em cada legislatura –incluindo as câmaras de vereadores—, tudo isso nos dá uma excelente ideia do país que habitamos.

Dois livros me trouxeram essa reflexão, e certa inquietação, assim que eu terminei de lê-los. Falo de "Pacto da Branquitude", da psicóloga e ativista Cida Bento, colunista desta Folha, e de "A Sociedade Desigual - Racismo e Branquitude na Formação do Brasil", do economista Mário Theodoro.

Esses dois livros deveriam servir de manuais de aprendizado do bom viver em comunidade, sobretudo no trato com pessoas negras –ou seja, pretas e pardas, de acordo com as normas do IBGE.

A branquitude é um projeto de controle social, mas no sentido de demarcar acessos e barreiras para determinados grupos. Isso não acontece de agora. É secular –desenvolvida como política de Estado ainda no Império. Desconstrói tecnologias, religião, cultura e saberes da população preta, sobretudo a escravizada, tendo como filosofia o eugenismo e a sua coisificação desse ser antes visto como mercadoria.

O livro de Cida Bento –eleita em 2015, pela revista The Economist, do Reino Unido, uma das 50 personalidades mais influentes do mundo no campo da diversidade— nos remete a pensar a branquitude como uma prática que silencia e apaga, ao mesmo tempo em que demarca território, com certa sutileza e malícia. Ela diz, com muito acerto: "É evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse".

É intrigante pensar o quanto a prática, no nosso dia a dia, diz respeito às ações tão presentes nas agressões e ofensas dos corpos negros —toda vez em que abrimos o jornal ou assistimos ao noticiário da televisão.

Desde os tempos imemoriais, do Império à Proclamação da República, corpos negros servem de referência a confirmar a supremacia branca, sobretudo dentro da prática do poder. Como bem referido por Cida Bento, Luiz Gama, grande abolicionista, chegou a chamar esses dominadores de "insaciáveis parasitas do trabalho africano". Para o baiano, o tributo que os brancos deviam aos negros, durante três séculos de exploração de sua mão de obra, seria equivalente a R$ 1 trilhão, se calculados nos dias de hoje.

Mário Theodoro vai pelo mesmo caminho. O seu "A Sociedade Desigual" mapeia o cenário aterrador que "destaca a etapa do crescimento econômico dos anos 1930-1970", o qual consolida "uma classe média, majoritariamente, branca".

Como base de construção do país, o racismo segue praticamente desafiador, perpetuando desigualdades e "impedindo mudanças estruturais", enquanto a sociedade brasileira, em face do racismo, se mantém "violenta, autoritária, elitista e medíocre".

Para o autor, a desigualdade se relaciona bem, desde o passado, com espaços como quilombos, favelas, alagados, mocambos e, hoje, com comunidades, periferias e palafitas.

Enquanto não for assertivo o tratamento sobre os males do racismo no Brasil, não haverá avanço, pois as crenças persistem em encarar o negro brasileiro como cidadão de segunda classe, sem plenos direitos.

Encarar o racismo como uma ideologia pode ser um dos passos para o Brasil se refletir como racista e violento. É parte da cura.

Os livros de Cida Bento e Mário Theodoro têm tudo para se tornar clássicos muito necessários pela profundidade com que abordam uma temática fantasma da escravidão que ainda assombra a todos nós, brancos e negros.

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