Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Descrição de chapéu Livros

Lima Barreto escreveu sobre como é viver à margem da sociedade

Em crônicas e romances, autor falou de sua relação com o racismo e da sociedade no período pós-abolição no Rio

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Na semana passada, falamos aqui do esquecimento de Lima Barreto (1881-1922), certamente um dos maiores escritores de nossa língua.

Barreto, além de tudo, foi um grande ativista das causas sociais da negritude brasileira, sendo um dos primeiros a assumir sua condição de negro de forma pública e textual.

Nos seus escritos –sobretudo nas crônicas e nos romances que escreveu ao longo de sua vida–, deixou a marca de toda a sua indignação, com duras críticas ao sistema político republicano e sobre a herança deixada pela escravidão, oficialmente extinta em maio de 1888, mas que mantém a subalternidade, a ofensa e o racismo com relação à população negra no país.

O escritor Lima Barreto, em retrato de 1919
O escritor Lima Barreto, em retrato de 1919 - Divulgação

Por diversas vezes, nas crônicas publicadas em jornais e revistas, Lima falou de si, como homem negro, e sobre o ambiente racial em que viveu naquela quadra inicial do século 20.

O mês de maio era sempre especial para ele, por trazer vivas recordações sobre o fim da escravidão. Lima Barreto nasceu no dia 13 de maio, sete anos antes da Lei Áurea. Numa crônica de 1911, intitulada exatamente "Maio", publicada em um jornal carioca, o cronista recordava o dia em que a princesa Isabel decretou o fim do cativeiro no Brasil.

Lima foi com o pai ver a assinatura da lei, no centro do Rio de Janeiro. De "lá de uma das janelas do paço", o menino viu "um homem que acena para o povo", o qual não sabia dizer com certeza se era "mesmo o grande Patrocínio", referindo-se ao abolicionista José do Patrocínio (1853-1905).

Com aquela idade, morando na cidade do Rio de Janeiro, onde "já os escravos rareavam", Lima conta que o cativeiro não o "impressionava". E afirma nunca ter conhecido "uma pessoa escrava". Confessa ele: "Faltava-me o conhecimento direto da vexatória instituição, para lhe sentir bem os aspectos hediondos".

No passar dos anos, já adulto, Lima Barreto sentiria na pele o que era de fato ser uma pessoa negra. Morador do subúrbio —região então distante da cidade, local produtor de cultura, endereço das redações de jornais, de livrarias, de teatro, das confeitarias e de cafés chiques—, ele vivia confinado na pobre Vila Quilombo, como denominava sua casa no bairro de Todos os Santos.

As agruras do racismo também foram narradas por Lima no romance "Clara dos Anjos", datado de 1921, mas publicado postumamente. A história do livro se passa no subúrbio carioca e relata o cotidiano de uma menina negra –Clara, filha de um simples carteiro, Joaquim dos Anjos, e de Engrácia, uma humilde dona de casa.

Clara então conhece Cassi Jones, um jovem boêmio, com fama de violeiro, vistoso, sedutor, supostamente de condição de vida melhor, e branco. Clara cai na lábia de Cassi, que é um "colecionador de mulheres". A condição não só social, mas racial e de gênero, e a relação subúrbio versus grande centro estão postas nessa história. Uma mulher negra, jovem, de condição social inferior, é assediada por um homem branco, de condição social oposta à dela.

Nesse romance, Lima introduz o tema do racismo, na forma como ele se apresentava na sociedade no período pós-abolição. Clara, para o escritor, não tinha nenhuma chance de ser feliz com Cassi –nem a família dele, com ranços de aristocracia, incentivaria tal relação.

Assim também ocorre, mas de forma indireta, com o romance "O Cemitério dos Vivos". Incompleto, ele foi todo produzido no período da segunda internação psiquiátrica de Lima para tratamento de trauma alcoólico. Como ele diz, depois de uma "noitada em que havia descido do uísque à Genebra, ao gim e, daí, até a cachaça".

A relação do romance com a questão racial é notada nas reflexões que Lima faz sobre si, como homem negro. Em parte, o mesmo sentido se aplica ao "Diário do Hospício", escrito também durante a internação, que traz sequências de leitura muito próximas de "O Cemitério dos Vivos". É a condição de ser negro que leva Lima a escrever esses relatos –o tratamento dado aos que têm cor e classe social inferior ou suburbana.

Numa passagem, ele destaca o tratamento dado pelo psiquiatra Juliano Moreira (1872-1933), um profissional negro, que "o tratou com grande ternura" e não o "admoestou", o fazendo, inclusive, se sentar "a seu lado".

Os marcadores sociais de Lima –pobre e preto— e de sua obra nos levam a entender o choque cultural vivido pelo escritor carioca e as analogias com "O Cemitério dos Vivos", na condição de um homem negro que vive à margem da sociedade.

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