Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Rodrigo Santos tem narrativa que dialoga com a literatura periférica

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"Ah! A Literatura ou me mata ou me dá o que eu peço dela", esta poderia ter sido uma frase escrita pelo escritor Rodrigo Santos, mas não foi, ela é de Lima Barreto. Com a distância que os separa, ambos trazem na escrita traços de uma narrativa urbana, na pegada com o social, com reflexões sobre o mundo e a humanidade das pessoas.

Rodrigo Santos é natural de São Gonçalo, região metropolitano do estado do Rio de Janeiro, já Lima Barreto é carioca, nascido em Laranjeiras, mas confinado no subúrbio de Todos os Santos, bairro da Zona Norte da cidade, onde morreu em 1922, portanto há cem anos.

O que estes autores têm em comum? Aparentemente nada, a não ser a escrita impactante e estilosa. Lima, como se sabe, é o autor que problematizou os dilemas da virada do século 19 para o 20, no contexto do pós-Abolição no Brasil, mas projetando em tudo a cara do subúrbio e suas mazelas –que tem a ver com pobreza e abandono. Além de vários contos e crônicas, é dele "Triste Fim de Policarpo Quaresma" e "Clara dos Anjos", que tratam de um país republicano e imoral.

Os atores Paulo José [esq.] e Nelson Dantas em cena de "Policarpo Quaresma, Herói do Brasil" - Divulgação

Santos é de outra geração e de outros tempos. Sua literatura dialoga com o século presente, com a temática e os conflitos que a atual sociedade enfrenta a cada hora e a cada minuto, contextualizando e denunciando aspectos da vida moderna, como a violência, o racismo, a favelização e a falta de políticas públicas, com forte viés nas periferias.

Em 2016, publicou um emblemático romance, "Macumba", importante pela história e pelo título. Trata-se de uma trama em que um detetive –Ramiro– desvenda uma série de assassinatos envolvendo adeptos de religiões de matriz africana, tendo como cenário a cidade de São Gonçalo, que se destaca pela demografia e pela pobreza.

O escritor fluminense Rodrigo Santos
O escritor fluminense Rodrigo Santos - Divulgação

Depois que lançou "Carcará", com 14 contos curtos, tensionados pelo cotidiano de vulnerabilidades urdidas no contexto também da violência, ele nos apresenta agora o revelador "Fogo nas Encruzilhadas", o qual, guardadas as proporções do romance anterior, pode se entender como espécie de continuidade do "Macumba", não só por trazer o ambiente narrativo da cidade que o inspirou, como pelo fato de reapresentar o inventivo e sagaz detetive Ramiro, espécie de líder de uma NCIA (o seriado americano) tupiniquim.

No "Macumba", primeiro romance, os terreiros de umbanda e candomblé chamam a atenção para as ações investigativas de Ramiro, em "Fogo nas Encruzilhadas", um serial killer foca seu instinto assassino em pessoas em situação de rua, ou seja, seres despossuídos e vulneráveis.

Nos dois enredos, Rodrigo Santos costura uma história na outra e que no final elas se intercruzam. Entretanto, no novo romance esse intercruzamento de histórias tem não só um final supostamente bom mas surpreendente. E incomodativo. "A função da arte é essa, é incomodar mesmo", como diz o principal personagem, um artista apelidado pelo autor de "arsonista", um criminoso incendiário, ou algo parecido.

A fortuna crítica sobre literatura policial no Brasil indica que ela teve precursores famosos e afamados, entre os quais Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque e Lima Barreto. Abrimos esta crônica citando o Lima. É dele o conto "Mágoa que Rala", essa primeira fornada de nossa literatura policial, com aquela pegada limana, citando "chefes de macumbas e ‘candomblés’ dos subúrbios longínquos". Muito original.

Na trama de Rodrigo Santos, é seu Zé Pelintra que ajuda também a personificar a história e, de certa forma, vai colaborar no desfecho. Talvez por osmose, talvez por intuição, o autor gonçalense religa Lima Barreto aos doces sabores das histórias policiais, retomando seus primórdios.

Outro dado importante da história contada por Rodrigo Santos diz respeito às homenagens que faz ao historiador Luiz Antônio Simas, de quem cita alguns livros, entre os quais "Fogo no Mato" e "Flecha no Tempo", tornando-o personagem, e o livreiro Rodrigo Ferrari, da Livraria Folha Seca, que possui um catálogo de referências sobre autores e literaturas suburbanas e periféricas.

Se "Macumba" é o livro de abertura de carreira de Rodrigo Santos, o "Fogo nas Encruzilhadas" cristaliza o seu linguajar, o seu modus de escrita, o seu fazer literário. Descoberto pela Flup, Festa Literária das Periferias, é certo dizer que o autor está sabendo pisar na estrada que vem pavimentando. Que continue assim.

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