Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Tom Farias

Antônio Torres e a arte escrita encantatória do sertão nordestino

O autor, que fez 50 anos de carreira literária em 2022, proclama sua terra através da 'Trilogia Brasil'

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Eu li Antônio Torres antes de conhecê-lo pessoalmente. Minha jornada com o autor baiano teve início com o romance "Um Táxi para Viena d'Áustria", que ganhei de presente um ano após a sua publicação, que é de 1991. Até então –eu, um leitor teimoso e renitente desde os 13 anos– não tinha ideia de quem era Antônio Torres para a literatura brasileira. A leitura do livro, no entanto, abriu para mim uma enorme cratera fenomenal, onde pude ver, com muita clareza, a divisão de mundos a partir do padrão de uma escrita que só encontrava nos nossos chamados clássicos.

Anos depois, talvez ele não se recorde dessa etapa, deparei com Torres presencialmente, em um dos seus pontos prediletos, pelo menos à época: a Livraria da Travessa, em Ipanema. Frequentador do local, onde seus livros eram exibidos com a justa solenidade que merecem, Torres pontificava, como grande estrela que é até hoje, entre estantes e honradas colunas de livros, na companhia de Machado, Clarice, Conceição Evaristo, Lima e Silviano Santiago.

Poucas vezes falei com ele na livraria e, quando isso acontecia, não passava de apenas um cumprimento formal e cordial. Tempos se passaram –como o nosso passou– e fomos estreitando os laços, por insistência minha, conversando mais amiúde, dada a minha renitência, até eu tomar a coragem de dizer o quanto o admirava, não só como cidadão mas essencialmente pelos seus méritos de escritor.

O escritor Antônio Torres, na Bienal do Livro de 2011 - Eduardo Knapp - 4.fev.11/Folhapress

Antônio Torres completou no ano passado 50 anos de vida literária. Sobreviver pela literatura é tão difícil como um brasileiro envelhecer na vida: é o complemento de um misto de teimosia e obstinação. Mas há o reconhecimento. Certamente por conta disso Torres foi alvo de belíssima homenagem –na verdade, de várias– pela passagem de data natalícia tão marcante em seu percurso existencial. Um dos seus conterrâneos e, como ele, também escritor, o baiano Aleilton Fonseca, organizou e lhe dedicou o livro "Antônio Torres: 50 Anos de Literatura". São 31 belos estudos ensaísticos que o festejam como marco referencial no mundo do livro no país, destacando-o como um dos mais importantes escritores da língua portuguesa. Isso é imensamente justo e faz todo sentido.

Mas algo que muito me encheu de contentamento e pôs-me em estado de reverência diante dele foi a leitura da "Trilogia Brasil" (editora Record), composta dos seus romances "Essa Terra", "O Cachorro e o Lobo" e "Pelo Fundo da Agulha", que eu classifico como artes romanescas encantatórias.

Da publicação do primeiro, em 1976, passando pelo segundo, em 1997, chegando ao terceiro, em 2006, Torres constrói uma narrativa relevantíssima: inaugura nova faceta da fabulação sertaneja, realimenta a textura narrativa dos confins brasileiros e nos põe a mensurar o íngreme tempo criativo, num só crescendo entre a fabulação e a memória.

Em resumo, Torres escreve com a experiência do que conhece e vive: da Junco de ontem à contemporânea Sátiro Dias da atualidade –embora o árido da terra seja o mesmo e, como no passado, continue a gretar os calcanhares; e agora, como em outrora, conserva suas festas e o reinado dos mistérios.

Torres é mestre da escrita ágil e sintética, hoje sob o olhar não de dentro, mas "de fora". Com ele, a palavra escrita nos faz enxergar o mundo, mesmo que esse mundo seja em um lugar sem nada, "só com o tempo para passar". Desde menino, pelos causos de dona Durvalice, sua mãe, ele sabia que o livro e a escrita eram uma forma de tornar-se elo do mundo.

Assim o vejo na "Trilogia Brasil": a dimensão de um país na culatra de uma pena fadada a escrever o que pede dela ou a escrever o que diz pela ponta do cordão umbilical de uma terra ancestral urdida pela seca. Portanto, Torres é urdidura crua e nua: na trama sertaneja e nordestina, sinônimo daquele que teima em nunca se desatar de sua base.

Esse é fio condutor que ao longo dos anos perfilou os sonhos do garoto boitatá —misto de fogo e luz, sempre de olhos atentos na realidade— e que, etiologicamente, pelas próprias ventas, é revelador dos tesouros de sua criação.

Em três tempos distintos, Antônio Torres, como catalisador da vida nordestina, é também, a seu modo, através do Junco, proclamador do elogio do sertão brasileiro.

Uma nota: Quem estiver em Brasília nesta quarta-feira (15) não pode deixar de prestigiar, às 18h, o lançamento e a sessão de autógrafos do livro "Direito, Mídia e Liberdade de Expressão: Custos da Democracia", organizado pelos queridos amigos Ricardo Lewandowski, Heleno Torres e Pierpaolo Cruz Bottini. Local: Edifício-Sede do Conselho Federal da OAB – SAUS, Quadra 5, Lote 1 e Bloco M.

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