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Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.

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Seleção, titês e 'extremos desequilibrantes' deixam saudade

Sentimos falta do que imaginamos e esquecemos o que não gostamos

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O mundo e o futebol mudaram, para melhor e para pior. Estamos mais apressados, intolerantes, com excesso de rótulos e lugares-comuns. Heróis e vilões diferentes são escolhidos a cada semana.

Os vencedores são endeusados, como se não tivessem deficiências, e os perdedores, massacrados, como se não tivessem virtudes.

As comparações são frequentes, mesmo quando as situações são bem diferentes, como a qualidade das equipes e dos campeonatos. Basta um atleta fazer alguns gols, contra adversários muito fracos, para ser chamado de craque e pedido na seleção.

As estatísticas são importantes, mas exageram. Misturam alhos com bugalhos. Escolhem os melhores atacantes pelo número de gols marcados. Em grandes amostragens, muito mais relevante é a média de gols.

Misturam passado com presente. Lembramos muitas coisas mais pela memória afetiva que pela realidade. Temos saudade do que imaginamos e esquecemos o que não gostamos. Ainda bem que existe o Google, para corrigir nossos lapsos de memória.

As pessoas adoram dizer que a seleção de 1970 tinha vários camisas 10 e que estes jogavam na mesma posição em seus clubes. Não é bem assim. Pelé era ponta de lança, ao lado de outro atacante. Felizmente, essas duplas ressurgiram no futebol, em todo o mundo.

Eu era também ponta de lança no Cruzeiro, mas jogava com a 8. O 10 era o meia armador e craque Dirceu Lopes. Na seleção, joguei de centroavante, improvisado. Gérson, meia armador, atuou como fazia nos clubes, e Rivellino, como um terceiro armador, pela esquerda. Jairzinho, no Botafogo, atuava de ponta direita ou como ponta de lança. No Mundial, jogou pela direita, entrando pelo meio para fazer muitos gols.

Jogador do Chelsea tenta entrar na bola dominada por jogador do Real Madrid
N'Golo Kante, do Chelsea, disputa bola com Toni Kroos, do Real Madrid, na semi final da Champions League em 27 de abril de 2021, em Madrid, na Espanha - Xinhua/Meng Dingbo

Às vezes, criamos conceitos, verdades, mas, com o tempo, percebemos que não é bem assim. Critiquei muito o técnico alemão Thomas Tuchel, quando ele era o treinador do PSG, porque colocou Marquinhos, um dos melhores zagueiros do mundo, como volante, e Neymar de meio-campo. Não entendia bem suas estratégias de jogo. Hoje, no Chelsea, faz um belíssimo trabalho. O fato mostra também o óbvio, que os treinadores, muitas vezes com as mesmas ideias e condutas, alternam sucessos e fracassos, pois há dezenas de outros fatores envolvidos.

Achava que Kroos era o máximo do talento, pelos passes precisos e pelo domínio da bola e do jogo, e que Kanté corria e marcava muito, mas com pouca lucidez, técnica e habilidade. Não sei se os dois mudaram a maneira de jogar ou fui eu que mudei minhas opiniões.

Na vitória do Chelsea sobre o Real Madrid, por 2 a 0, Kroos e Kanté representaram muito bem o passado e o presente. Kroos, com sua enorme classe e talento, jogou como sempre fez, mas em pouquíssimo espaço, no próprio campo, enquanto Kanté deslizava no gramado, na defesa, no meio-campo e no ataque, do início ao fim do jogo. Corre, marca e avança, com inteligência e técnica, como nos dois gols do Chelsea.

Kanté não tem a habilidade dos grandes jogadores, mas possui o que é importante, a inteligência corporal cinestésica, nome dado pela neurociência, por perceber os lances e antecipá-los.

Os garotos que querem aprender, e não apenas torcer, ficam confusos com vários nomes, expressões e clichês, antigos e modernos, como “atuar entre linhas”, “jogo apoiado”, “futebol reativo”, “propor o jogo” e tantos outros, mesmo quando não têm nada a ver com o que acontece na partida. Estou com saudade da seleção, do titês e dos “extremos desequilibrantes”.

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