Veny Santos

Escritor, jornalista e sociólogo, é autor de "Batida do Caos" e "Nós na Garganta".

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Descrição de chapéu universidade

Futuro do Brasil depende de cientistas negros para reconstruir o país

Este espaço que tenho para escrever sobre as diversidades que compõem o povo preto recebe o texto de Katemari Rosa

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Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Katemari Rosa, física e professora da UFBA.

O saber é um bem valioso. Por isso, em diferentes momentos da história da humanidade foi espoliado. Assim se fez durante séculos com as ancestrais populações da África que usaram de ciência e tecnologia para erguer civilizações.

Após serem gradativamente invadidas e dominadas, tais nações perderam o direito ao reconhecimento por suas contribuições. Ainda assim, e pelos caminhos do método científico, houve quem resgatou fatos para reconstruir uma realidade mais do que escondida —negada.

O antropólogo Kabengele Munanga, professor da USP especialista em artes africanas tradicionais - Rogério Cassimiro - 2.fev.06/Folhapress

Nesta terça-feira, este espaço que tenho para escrever sobre as diversidades que compõem o povo preto e das ditas periferias desta diáspora recebe o importante texto de Katemari Rosa, física e professora da Universidade Federal da Bahia, a UFBA, para refletir sobre ciência, educação e negritude como alicerces da constante —e contínua— luta pela ascensão das nações negras. O também físico Cheikh Anta Diop, responsável por uma obra científica com grande impacto político e social —"A Origem Africana da Civilização", de 1974—, é ponto de partida fundamental para esta discussão.

Do Kemet negro aos contemporâneos territórios tão negros quanto, de objetos de estudo a estudiosos com objetivo, é preciso saber mais do Brasil preto do que ele mesmo sabe e conhece de si. A ciência é um dos caminhos.

Cheikh Anta Diop foi um historiador, antropólogo, físico e químico senegalês —que viveu entre 1923 e 1986— cuja formação incluía egiptologia, linguística, economia e sociologia. Não que as pessoas precisem seguir seu exemplo, longe de mim pensar isso. De qualquer modo, é urgente que o país invista em educação. Existem vários aspectos a serem considerados quando se pensa em educação, mas vou me ater à formação científica, a partir da minha perspectiva como mulher negra na física.

Para criar pesquisadoras e pesquisadores, o Brasil precisará focar a educação de pessoas negras. É uma questão simples, matemática até: se a maior parte da população é de pessoas negras, os esforços devem ser para formar essas pessoas, ainda que os espaços acadêmicos não lhes sejam muito amigáveis. Com histórico de quase 400 anos de escravidão, o país ainda não se livrou da absurda ideia de que pessoas negras são inferiores, de que servimos apenas para serviços braçais, de que nossos corpos são passíveis de ser exterminados.

A academia precisa mudar, bem como nossa visão sobre ciência. Em 1951, Diop entregou à Universidade de Paris a tese, defendida anos depois, de que a população do Egito Antigo era negra. Ele realizou análises microscópicas dos níveis de melanina em múmias, cujos resultados corroboraram suas ideias de que não só os egípcios tinham a pele escura, como a humanidade teve origem na África.

Foi a partir desses primeiros humanos de pele melaninada que começou a construção de qualquer ciência ou tecnologia —estudar ciências é se debruçar sobre conhecimentos desenvolvidos com base em uma ancestralidade negra.

A formação de cientistas negras e negros no Brasil a partir de uma compreensão das origens africanas do conhecimento humano implica uma virada epistemológica, uma mudança de entendimento do que é ser uma pessoa negra. Quando compreendemos a potência e a história da intelectualidade negra, estamos alterando a percepção de quem somos, tanto para nós quanto para pessoas não negras.

Apesar dos tímidos avanços, como a política de cotas, ainda somos minoria nos espaços acadêmicos —menos de 3% das universidades brasileiras apresentam equidade racial. A academia segue sendo um local hostil e de exclusão para as pessoas negras, num país que tem a maior população negra fora da África.

Neste ano de eleição, é importante lembrar que o crescimento do país só será possível investindo nessa população. Uma nação consciente de seu potencial será capaz de gerar conhecimento para enfrentar as questões da sociedade do futuro.

O Brasil tem potencial para ser um centro gerador de ciência, tecnologia e desenvolvimento sustentável que vai contribuir para o futuro do planeta. Se a África é o berço da humanidade, nosso país pode ser o motor da humanidade nesse momento de grandes desafios que vivemos.

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