Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

A agenda masculina

A agenda feminista não é "das" mulheres, é "pelas" mulheres

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Sem citar o feminismo, você não pode discutir nem a previsão do tempo mais. A agenda feminista está nas hashtags, nas portas de banheiros, em qualquer papo de boteco ou conferência acadêmica.

O feminismo foi da luta da mulher branca pelo direito ao sufrágio em direção à luta por todas as mulheres, pelos pobres, pelos não brancos, pelos homossexuais, pelos imigrantes, pelos não cisgêneros (aqueles que não nasceram com o sexo com o qual se identificam).

Enfim, abraçou a bandeira dos sujeitos cuja representatividade é minoritária por serem excluídos a partir da comparação com um modelo imposto como superior: homem, branco, rico, heterossexual, nativo.

 

Mas vai que você nasceu homem e, mal tendo descoberto a supremacia do macho, já te jogam na cara que sua testosterona, seus pelos abundantes, ombros largos e potência viril não são bem-vindos em tempos de #metoo. O que você faz? Sai pedindo desculpas por existir? Carrega a culpa ancestral?

Algo comparável a ter nascido na Alemanha após as guerras e ter que lidar com o legado antissemita ou, sendo português, inglês ou francês, com o legado imperialista, ou ainda, com a escravidão no Brasil. Que tipo de cidadão você pode ser com uma herança dessas?

Imagino três posições básicas: você tatua uma suástica no braço; se faz de morto, negando o racismo no Brasil; ou se torna um entusiasta dos direitos civis, lutando para se informar e mudar as coisas.

Se você optou pela terceira, já deve ter percebido que não é tão fácil assim participar. Não foram poucas as vezes em que integrei rodas de discussão com pautas feministas nas quais sujeitos realmente interessados em contribuir foram sutil ou abertamente hostilizados por serem homens.

Injustiças e violências são difíceis de elaborar e pode parecer mais fácil dividir o mundo entre vítimas e algozes do que reconhecer que as coisas não são tão simples assim.

Se queremos avançar na pauta feminista, não seria o caso de ouvirmos o que esses homens que se identificam com o feminismo têm a dizer sobre a forma como foram educados, suas questões com a paternidade, com a masculinidade?

Uma agenda masculina, que não pode ser confundida com o machismo, mas que, ao contrário, nos ajudasse a pensar de que forma estamos criando meninos. Quais as expectativas de realização profissional, de expressão sexual e satisfação pessoal que podem estar em jogo para um homem do nosso tempo?

Ontem lemos consternados declarações de lutadores olímpicos que só puderam reconhecer e falar abertamente sobre abusos sexuais que sofreram de técnicos e médicos após escutarem as denúncias das atletas mulheres.

Faz todo sentido esse reconhecimento tardio e na cola das mulheres, pois criamos meninos para silenciar seus sentimentos, para agirem mais do que pensar e terem vergonha das fragilidades. Além disso, para se afastarem dos trabalhos domésticos e para se desvalorizarem como educadores.

O corpo dos meninos é tão patrulhado quanto o das meninas, embora em outra direção —basta lembrar que as mulheres conquistaram o direito de usar calças no século 20, enquanto um homem de saia pode apanhar feio hoje. As experiências de homens e mulheres são intrinsecamente diferentes e é fundamental estarmos atentos à possibilidade de troca e enriquecimento mútuo que isso pode implicar.

A agenda feminista não é "das" mulheres, ela é "pelas" mulheres (e outras minorias), e todos que se identificarem em lutar seriamente por ela deveriam ser bem-vindos.

Feliz Dia dos Pais, senhores!

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