Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Por que #elenão?

É inaceitável jogar com quem avisa que vai melar o jogo

Algumas celebridades vieram a público, para espanto de seus fãs, manifestar sua adesão ao movimento #elenão, na esteira do grupo de Facebook Mulheres Unidas Contra Bolsonaro. O grupo cresceu exponencialmente em questão de dias, fato que culminou em sua invasão por hackers.

 

Alguns fãs fizeram uma dupla crítica: tanto por seus ídolos serem contrários ao candidato quanto por exporem publicamente essa posição.

Figuras midiáticas que não costumam declarar seu voto não tiveram pudores em se manifestar, devido a um traço peculiar desse gesto: não se trata da declaração da intenção de voto, mas da declaração contrária a um tipo de discurso que Bolsonaro (PSL) representa.

Uma das questões que uniu eleitores de Ciro (PDT), Marina (Rede), Haddad (PT), Amoêdo (Novo) e demais candidatos sob a mesma hashtag é que Bolsonaro e seu vice usam o pleito com o intuito de melar o jogo do qual dizem querer fazer parte. Ao se declararem a favor de regime militar, da tortura e afirmarem o risco de golpe nas urnas, demonstram seu desprezo pela democracia. A democracia é tão frágil e deficitária quanto podemos ver, mas ainda é, disparado, o melhor regime que temos.

Ela permite que escrevamos estas linhas ao invés de receitas de bolo. Permite até que leitores contrários a este texto caiam matando no final.

Quem vota no Bolsonaro não sabe em quem está votando? Difícil crer, pois as frases misóginas, racistas, homofóbicas, elitistas, autoritárias e pró-tortura estão ao alcance de qualquer brasileiro (e estrangeiro) que não tenha estado em coma ou fora do planeta Terra nos últimos anos. A vista grossa que se faz ao que está explícito surge da fantasia de que seu eleitor será “amigo do rei”. Acredita-se que o candidato, mesmo declarando seu pendor à ditadura, defenderá seu amado e fiel eleitor, deixando para “os outros” a dureza da lei.

Puxa-sacos de monarcas e ditadores (Hitler e Stálin, para dar exemplos à direita e à esquerda) também compartilharam da fantasia de estarem protegidos, até serem triturados. Claro, pois um rei nunca tem amigos. Ele está sempre cercado por conspiradores.

Bolsonaro e Mourão chamarão uma comissão de notáveis para escrever nossa nova Constituição. Seremos nós a sermos chamados? É aqui que se constata algo recorrente. Mulheres e homens que alardeiam serem donos do próprio nariz escolhem de bom grado o cabresto. Fingem ignorar que só resta o papel de subserviência para quem quer contracenar com alguém em posição superior, sabidamente autoritário e violento. A banalidade do mal não vai sem o prazer pela submissão.

A polarização PT e anti-PT é só mais uma desculpa esfarrapada para a escolha do sr. Bolsonaro, uma vez que existem outras alternativas entre os candidatos que estão aí. Nenhuma é uma maravilha, mas certamente a maioria está a anos-luz de um político que cumpriu 27 anos de mandato sem nenhuma realização digna de nota.

Pelo contrário, ações entre medíocres e francamente deletérias para o eleitor caminham juntas com inúmeras acusações de irregularidades envolvendo sua família e sua pessoa. O paladino anticorrupção ou “caçador de marajás versão 2018” tem uma lista de acusações facilmente encontráveis na internet.

É impossível vislumbrar, por tudo que o candidato declarou até o momento, qualquer indício de que ele tenha condições para gerir o país econômica e politicamente, outra justificativa que costuma ser usada na escolha.

Quem pensa que Bolsonaro é uma opção, não pensa.

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