Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Adolescente, pais e a escola

Pais e alunos se tornaram consumidores no mercado de ensino

Sempre foi função da escola ajudar crianças a lidarem com a realidade e seus incontornáveis limites. Vê-se agora, no entanto, que a escola tem precisado exercer essa função perante os pais também. Com a desculpa de participar da vida escolar dos filhos, muitos pais acabam por se intrometer na rotina escolar com a clara intenção de fazer valer privilégios. Ainda que essa intromissão não seja inteira novidade, hoje convivemos com o fato de que “quem está pagando” pode escolher outra “empresa” se não encontrar a satisfação garantida em seu “investimento”. 

No mercado do ensino, pais e alunos se tornaram consumidores, a escola uma empresa em busca de lucratividade e a educação o produto a ser comercializado. O “cliente tem sempre razão” vem junto com “estou pagando”, que anda de mãos dadas com “você sabe com quem está falando?”. Assistimos diariamente escolas cedendo no plano pedagógico para se viabilizarem no plano econômico.

 

Escolas que têm fila de espera e não se preocupam com a perda de “clientes” não deixam de sofrer com a lógica dos “consumidores” insatisfeitos. O desgaste dos professores por esse tipo de ingerência não é um detalhe, e se soma a uma carga de trabalho e de responsabilidade que só a necessidade e a convicção parecem lhes fazer suportar.

Se cabe à escola manter os “nãos”, como sustentá-los quando os próprios pais se furtam a fazê-lo? E, pior, quando forçam a barra em nome dos filhos para que a escola não o faça?

A escola tornou-se o primeiro lugar em que as crianças lidam com direitos e deveres perante outras crianças que, supostamente, são seus iguais. Tarefa difícil que se torna hercúlea diante da pressão dos pais, reforçada pela mercantilização do ensino. Com o intuito de postergar o sofrimento do encontro com a “vida como ela é”, pais buscam subterfúgios que só atrapalham a tarefa da escola, qual seja preparar os jovens para assumirem uma postura ética e responsável diante do saber e da vida.

Com o fim do ensino médio e decorrente entrada na faculdade, os tentáculos da família perdem parte de seu alcance e surgem cenas até então inéditas. Pais controlando a vida dos filhos na faculdade, chegando a frequentar o campus em busca de informações. Para além da vergonha alheia, o que se transmite aqui é que os pais, que conseguiram estudar, trabalhar e ter filhos, não acreditam que os filhos conseguirão fazer o mesmo. O recado é claro: a aposta dos pais nos filhos é inversamente proporcional ao tamanho de sua arrogância. “Eu consegui, mas meus filhos não conseguirão.” Outros recados como “minha vida orbita a sua” ou “sua felicidade é minha felicidade também” fazem parte dessa lógica.

Conversando com um grupo de professores sobre esses temas, lembrei-me de meu professor de química, cujo apelido —que ele desconhecia— era mosca. Um dia, entre fórmulas e tubos de ensaio, Mosca nos lança a seguinte questão: “Vocês acham que os pobres são pessoas menos esforçadas do que os ricos ou existiriam outras razões para a pobreza?”

A pergunta, que soa pueril hoje, me acertou em cheio na ocasião. Para nós, alunos de uma escola de classe média alta de São Paulo, a questão soava proibida. E era. Passadas décadas, lembro do gesto desse professor e penso nos desafios que enfrentavam os educadores em plena ditadura. Mas, tanto agora como antes, trata-se de deixar que os professores façam seu trabalho. Depois, restará agradecer-lhes.

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