Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

A sexualidade adolescente

Afinal, nossos jovens são inocentes e indefesos ou protagonistas de orgias?

Jovens se divertem em um baile funk na zona sul de São Paulo
Jovens se divertem em um baile funk na zona sul de São Paulo - Julio Bittencourt - 15.mai.16/Folhapress

Um curioso movimento pendular aparece quando se trata de pensar a sexualidade adolescente. Ora os jovens são tidos como indefesos e correndo riscos diante da educação sexual, ora são protagonistas de orgias sem precedentes. Daquele que não sabe nada sobre sexo para aquele que está promovendo bacanais, resta perguntar de quem falamos afinal.

As pesquisas mostram que a maioria dos jovens brasileiros começa sua vida sexual entre 13 e 17 anos, mal informada, desprevenida para doenças e para gravidezes. Essa é a informação palpável e bem documentada com a qual devemos nos preocupar para começo de conversa. Ela nos indica que temos que abordar o assunto na infância, informando e cuidando para que eles não tenham experiências emocionais traumáticas, doenças venéreas ou bebês indesejados. Historicamente, os pais têm se atrapalhado bastante na hora de falar sobre sexualidade com os filhos, seja porque têm dificuldade de reconhecer a mudança de fase das crianças, seja porque têm questões com a própria sexualidade, seja porque temem despertar o que acreditam que não estaria lá por si só.

A última ideia é curiosa, pois há muito Freud revelou que a sexualidade está presente desde a primeira mamada, pois somos seres sensuais por excelência. Peço desculpas à ministra Damares se Freud soa ousado demais para ela, faz só 113 anos que ele nos tirou do obscurantismo puritano. Não tirou a todos, claro. 

Coetzee, em "Desonra" (2000), dirá que o sujeito, mesmo nas piores condições de sobrevivência, não pode ser condenado por "se agarrar (...) ao seu lugar no doce banquete dos sentidos". Comer, respirar, movimentar-se, falar, ouvir, sentir o sol na pele, rezar são experiências de prazer corporal que nos alimentam tanto ou mais do que os nutrientes que ingerimos. Temos fome de que, se não da própria experiência de reconhecer-nos vivos em cada um de nossos atos? A sexualidade está em toda experiência humana, não há nada de obsceno nisso, apenas somos seres desejosos e desejantes que têm no corpo uma fonte inesgotável de prazer.

O ato sexual em si, devido a sua intensidade e as suas consequências, requer que ofereçamos informações e recursos para que os jovens tomem decisões menos afoitas e menos desprotegidas. Ajudá-los a lidar com a autoestima, com a autoimagem, a emancipar-se da pressão do grupo e, também, a acessar métodos contraceptivos e contra DST é o único caminho para protegê-los. 

A viseira de burro, que serve para acreditar que o que está fora da vista não existe, prova sua ineficiência diuturnamente das formas mais catastróficas. 

Quanto às orgias adolescentes que estariam migrando dos bailes funk para as casas de classe média alta, como bem apontou Mariliz Pereira Jorge, cabem algumas considerações. Elas revelam a busca por alguma forma de prazer que escape à caretice dos mais velhos, que tentam domesticar a sexualidade do jovem trazendo o antigo motel para o quarto dos filhos. Como transgredir se hoje o sexo está sob controle e bênção dentro da casa dos pais? Longe de fazer uma crítica moralista, trata-se de apontar para a emancipação que a vida sexual deveria antever.

Moral da história: jovens transam desde muito cedo, sem informação e sem proteção, pais permitam ou não. Ignorar ou exaltar a sexualidade adolescente nos impede de escutar os jovens e oferecer-lhes educação apropriada —é preciso encará-la sem hesitação.

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