Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

A psicanálise está na rua

Coletivo oferece atendimento gratuito na praça Roosevelt a quem quiser

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Um adolescente se aproxima e pergunta se tem psicanalista para atender hoje. Seu nome é anotado numa lista de espera. Arde o sol do meio dia e o termômetro marca 36ºC na praça Roosevelt, centro de São Paulo. A pilha de cadeiras de praia, ao lado de uma placa que diz “Psicanálise: atendimento sábados das 11h00 às 15h00”, vai diminuindo conforme psicanalistas e pacientes saem em busca de um lugar onde possam conversar.

Onde houver alguma sombra, se darão sessões de análise gratuitas para quem quiser e puder despender algum tempo para falar de si e ser escutado. As sessões não são cobradas pelos profissionais, que entendem que para as pessoas socialmente carentes nada sai de graça, pois essa escolha demanda transporte, tempo, disposição e coragem.

Um pouco mais adiante, uma roda de cadeiras de praia é ocupada por psicanalistas do mesmo coletivo, que organizam grupos de estudos para quem quiser participar. Quase sempre um morador de rua se junta à roda para escutar atentamente sobre o que estão falando. Eles também são prontamente atendidos, sempre que pedem.

Usado com a finalidade de organizara fila e tabular o número de atendimentos feitos, o caderno vermelho da lista de espera tem sido preenchido por moradores dos prédios vizinhos, funcionários das lojas, dos bares, das casas noturnas, pessoas em situação de rua, jovens, velhos, travestis.

Residentes de outros bairros, sabendo da oferta pelo Facebook ou pelo boca a boca, pegam o metrô para a sessão semanal, por vezes com o mesmo profissional, por vezes com outro que estiver disponível. Alguns mais desesperados, na eminência de passar ao ato, são atendidos imediatamente. Por vezes, aparecem pacientes encaminhados pelo serviço público das imediações, revelando uma curiosa inversão.

Para permanecer em paz no espaço público, o coletivo Psicanálise na Roosevelt precisou conquistar a confiança de síndicos de prédios, da polícia que faz a guarda e driblar a perene curiosidade dos que insistem em se aproximar para escutar a conversa sigilosa. Enfrentam, também, o preconceito de quem ainda acredita que só louco procura psicólogo.

Ao redor dos atendimentos, a cachorrada late, skatistas voam baixo e pedintes comparecem, provando que a praça não é coadjuvante na cena, ao contrário, faz parte dos atendimentos.

O teatro Parlapatões abre graciosamente suas portas para acolher os atendimentos em dia de chuva ou sol muito intenso e o sr. Luís, morador das imediações, se prontifica gentilmente a guardar as cadeiras, livrando os psicanalistas de transportá-las toda semana.

O coletivo é composto de jovens com sólida formação acadêmica —oriundos das melhores instituições de São Paulo—, que publicam artigos relevantes sobre o tema em revistas especializadas. Recebem apoio de psicanalistas renomados, que participaram da criação desse tipo de clínica. Há outros coletivos que oferecem esse tipo de trabalho em São Paulo e em outras capitais brasileiras. Esses grupos, mesmo com diferentes abordagens, costumam trocar experiências entre si, formando uma rede de apoio essencial.

Eles não são a solução para o problema da saúde mental no Brasil, mas são um modelo de atuação solidária e coletiva no espaço público, que tanto nos faz falta hoje. No meio de um verão de “temperatura sufocante e ar irrespirável”, surgem como uma lufada de frescor. Pode pôr meu nome na lista.

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