Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Colo para quem?

Colo não é importante, é imprescindível

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Você pode achar que o assunto colo é para pais e mães de bebês, mas, devido à importância do tema, vale a pena o esforço na tentativa de mostrar seu verdadeiro alcance. A nova onda é discutir se devemos ou não dar colo para os bebês. Parece que hoje até os direitos dos recém-nascidos estão sob ameaça.

Qual o mito que circula e faz sofrer pais, mães, cuidadores e, principalmente, os pequenos? Se você der muito colo para seu bebê ele ficará mimado.

Viemos de um intenso, constante e perfeito colo: o útero. Abraço de urso, macio, quentinho, sonorizado (batimentos cardíacos, pulmões, peristalse, vozes), de nutrição contínua, permanentemente embalado, oxigenado, com luzes difusas e arroxeadas. O protótipo de todos os colos que estão por vir será interrompido por um evento para o qual o feto está apto, mas que não deixa de ser alarmante. O parto é uma passagem apertada que estimula toda a epiderme, num último apertão macio que desemboca numa amplitude e falta de pressão semelhantes à queda em um abismo. A repentina falta de contorno faz com que o recém-nascido seja ávido pelo firme contato pele a pele com o corpo que até então era parte dele mesmo: o corpo da mãe. Os recém-nascidos não ficarão acostumados ao colo, ao contrário, eles sofrem da abstinência de um colo ininterrupto que perderam ao nascer.

 

Talvez alguém imagine que se trate de ser bonzinho com essas criaturinhas indefesas, tipo ato de caridade, mas o fato é que o colo não é importante, ele é imprescindível. Os seres humanos precisam desse contato tátil para se desenvolverem psiquicamente, para ir reconhecendo seu próprio corpo, para estabelecer relações afetivas e cognitivas, para se humanizar.

Então, vamos encomendar à indústria o "colo machine", que imitaria a pele humana, com temperatura adequada, que se mexesse, enfim, vamos nos livrar dessas horas infindáveis nas quais temos que sustentar o chorão inconsolável!

Ledo engano. O mamífero humano é bem exigente quanto à qualidade do colo. De fato, o que estou chamando de colo é um conjunto de qualidades de contato entre humanos que não prescinde de olhar, voz, cheiro e tipo de toque.

Mesmo um bebê na incubadora por ser prematuro pode se beneficiar do toque da voz humana terna e reconfortante, do olhar apaixonado e desejante de pais, mães e cuidadores. Somos exigentes, mas temos uma plasticidade cerebral capaz de superar grandes obstáculos, desde que haja alguém ao nosso lado investindo amorosamente. Essa máquina ainda não foi inventada. Amor por meio de missivas, só na fase adulta.

Bebê precisa de toque e de colo. Até quando? Logo ele dará mostra de que fica no carrinho, no berço, no chão. Logo vai querer explorar o ambiente, rolar, se arrastar, engatinhar... Todas as crianças saem do colo, basta não inibi-las.

A polêmica do colo para bebês esconde a dificuldade que pais, mãe e cuidadores têm tido de deixar as crianças maiores adquirirem autonomia e serem realmente educadas. A "fobia do colo" pode revelar o medo inconsciente de nunca conseguir se separar dos filhos. "Se tiver muito colo agora, como vou me separar de você depois?". A falta de convicção na separação tem criado regras absurdas.

Que fim leva o colo? Ele se torna abraço apertado das despedidas e reencontros, dos momentos de desespero e profunda alegria, se torna olhar de ternura e aprovação, de encorajamento e cumplicidade, se torna a voz que canta e nos embala. Quando oferecido no tempo certo, ele se torna uma mão que não solta outra.

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