Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Crianças demônio

Cabe aos pais impor limites à birra sem temer serem odiados

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Em 1984 era lançado o filme "Gremlins", comédia de horror na qual adoráveis bichinhos de estimação se tornavam monstros quando em contato com água. Impossível não lembrar desses personagens fofinhos e terríveis diante de crianças que, frente a qualquer contrariedade, tornam-se irascíveis e perdem totalmente o controle de si. Causam tamanho mal-estar que pais e professores têm procurado ajuda especializada para dar conta do recado e encontrar um ambiente doméstico e escolar menos bélico e estressado.

Por ser um comportamento errático e imprevisível, adultos vão construindo verdadeiros rituais supersticiosos na esperança de não acionar um gatilho que não sabem direito de onde vem.

O sofrimento é bem real, seja dos pais, seja das crianças, que muitas vezes arrependidas juram que nunca mais tornarão a fazer cenas que estragam passeios, jantares, festas, encontros familiares, assim como atividades corriqueiras do dia a dia.

Psicologia e pedagogia foram as primeiras a denunciar que palmatória, bater, gritar e outras formas de violência ou humilhação são incompatíveis com a criação dos pequenos. Na sequência dessas críticas foram oferecidos modos mais apropriados de educar com o uso da palavra e de atividades propícias às capacidades e interesses das crianças, fazendo a escola e seu dia a dia mais lúdico e menos militar.

Entre os anos 1950 e 1970, com o pós-guerra e a revolução dos costumes, surgiram propostas mais permissivas na educação. Ainda assim, e mesmo com o famoso lema "é proibido proibir" em mente, a queixa de desorganização e descontrole dos pequenos não chegava a tanto. O "terrible two", a famosa fase da birra, na qual a criança faz barreira à ingerência dos pais sobre o seu corpo, ganhou proporções grotescas e se estende no tempo chegando à puberdade.

O que temos de novo no front, afinal?

Algumas armadilhas podem ser apontadas. O corpo da criança não dá conta de toda a excitação e afetos que ela ainda está aprendendo a controlar. Há necessidade de falar com muita firmeza e muitas vezes contê-la fisicamente também. Adultos não batem em crianças (ainda que dê muita vontade!), mas, pelo amor de Deus, crianças não estão autorizadas a bater nos pais! Quando foi que isso se tornou tolerável!?

Elas podem dizer o que sentem pelos pais, mas, obviamente, não podem xingá-los. Aprender a nomear os afetos faz parte da tarefa. Cara feia, voz grossa, contenção física e verbalização são necessários para que a criança se acostume com o fato de que estamos falando sério, quando impomos limites. É claro que no caso da criança que já adquiriu certas liberdades demora um pouco mais para voltar a impô-las. A insistência é a chave.

Os pais que, em busca de popularidade e amizade dos filhos, são permissivos e sedutores correm o grande risco de perderem a cabeça quando a criança responde com raiva e desobediência. Afinal, eles estão sendo tão legais e amigos, quanta falta de reconhecimento! 

Não se trata de escolher entre rigidez ou permissividade na educação. Ambos podem ser eficientes, com famílias bem diferentes criando filhos igualmente educados. Trata-se de atentar para um tipo de sedução dos pais, baseada num ideal de nunca frustrar a criança —leia-se nunca ser odiado por ela— e que descamba para uma cena de descontrole mútuo. "Do pode tudo" para o apertão, para o grito e para o tapa é um pulo. Educar para valer implica aguentar ser odiado, condição para vir a ser amado e amar.

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