Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Todos os dias do pai

É imprescindível que as mães abram mão do protagonismo parental

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Em uma época em que mulheres adoram se dizer protagonistas de suas vidas, coube à querida Ana Paula Xongani —apresentadora e mãe de uma garotinha adorável— a melhor declaração: “Não quero ser uma mãe protagonista”.

A filósofa francesa Elizabeth Badinter, autora de “Um Amor Conquistado: O mito do amor materno”, 1985, teria assinado embaixo.

Em 2011 Badinter lançou o livro “O Conflito: A mãe e a mulher”, no qual denuncia um movimento que começou nos anos 1970 de valorização da mulher como mamífera.

O movimento tinha como intenção valorizar o protagonismo da mulher no parto, brutalmente afetado pela medicalização, mas errou na medida.

As “mães mamíferas” seriam incomparavelmente melhores do que pais e outros na tarefa de cuidar dos pequenos.

Não que a cultura precisasse de mais uma desculpa para jogar tudo na conta da mulher no que tange ao cuidado com os filhos, mas, quando esse discurso vem com uma “embalagem” feminista, torna-se mais preocupante.

Ana Paula Xongani na pré-estreia do filme Pantera Negra, no JK Iguatemi
Ana Paula Xongani na pré-estreia do filme Pantera Negra, no JK Iguatemi - 06.02.2018 -Zanone Fraissat/Folhapress

Sim, somos mamíferos e não perdemos nossas primitivas estruturas cerebrais com a aquisição do neocórtex.

Ainda assim, diferentemente dos outros animais, transamos fora do cio, fazemos greve de fome e nos suicidamos —só para chutar três “paus da barraca” instintuais: sexo, fome e autopreservação.

Os instintos estão para nós como o poder de persuasão do Grilo Falante está para o Pinocchio. Entre humanos, não dão conta do desejo e se subordinam à linguagem.

Mulheres que se acreditam insubstituíveis para seus bebês não conseguem esconder o ressentimento diante da dimensão inabarcável da tarefa.

Junto ao mal-estar e recorrente adoecimento, tem a fantasia onipotente de ser tudo para os pequenos. O divã é testemunha da imagem poderosa na qual se sustenta uma mulher sacrificada pela maternidade.

Quanto orgulho irreconhecível se esconde sob lágrimas de verdadeiro desespero. Uma boa intervenção seria: “largue o osso e sua vida vai melhorar muito”.

No entanto, como psicanalista, é infinitamente mais eficaz e ético permitir que se escute e descubra qual sua participação no sofrimento que supõe vir unicamente das contingências externas (que são muitas).

Em geral, respeitando as singularidades, trata-se do prazer inconfesso de se sentir imprescindível, superpoderosa e amada. Não é pouco para nós mulheres, comumente subestimadas em todas as outras atividades que desempenhamos.

Faz décadas que as mulheres lutam para assumir sua força de trabalho dentro e fora de casa e para ter carreiras, obrigando os homens a se adaptarem a um novo jogo de forças. Agora é imprescindível que os pais ocupem seu lugar e que elas abram mão do protagonismo parental.

O “homem-provedor” se sente ameaçado pela mulher que se sustenta, mas a “supermãe” também se sente insegura diante de uma paternidade igualitária.

São ainda poucos os pais presentes, mas eles mudam o equilíbrio das relações familiares, como as mulheres mudaram com seu trabalho remunerado.

É um alívio para os homens terem uma companheira que se sustenta, assim como para as mulheres poderem compartilhar os cuidados dos filhos com a família (incluindo avós, tios e profissionais).

Casais que superam a divisão de tarefas baseada em estereótipos tem mais chance de ter uma relação de admiração e gratidão mútua, seja no modelo que for.

Gestamos, parimos e amamentamos. Nossa parte já não é grande o suficiente? Que venham os pais e ocupem seu lugar todos os dias!

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