De todas as coisas bacanas que podemos aprender com os norte-americanos, como o amor à terra natal, a busca por excelência e o despojamento, escolhemos, desgraçadamente, o consumismo, o puritanismo e a sanha por ser milionário.

É também copiando o modelo estadunidense de combate à gravidez precoce concentrado na abstinência sexual que a ministra Damares e seu governo dão mais um exemplo acabado dessa tendência.

Responder com abstinência ao desejo sexual do jovem implica em ignorar seu direito a uma vida sexual segura e responsável.

Quando era adolescente e quis começar minha vida sexual, ouvi do meu primeiro ginecologista que deveria me abster de sexo até casar.

Seguiu-se uma longa discussão tipo “ovo ou galinha”, na qual eu tentava explicar ao “médico” que não pretendia casar, menos ainda ter filhos, mas pretendia fazer sexo, e ele continuava a se recusar a me prescrever anticoncepcionais.

O puritanismo do modelo importado implica em supor que todas as jovens pretendem, ou deveriam pretender, casar e ter filhos, bastando esperar a idade adulta para fazê-lo. E os jovens homossexuais, devem esperar o que para se prevenir de doenças, que acometem a nós todos, por sinal?

Em sua entrevista, a ministra aconselha que educadores façam o seguinte exercício com os adolescentes: sentados em círculo, o primeiro gruda uma fita adesiva no próprio braço, em seguida desgruda e a cola no braço do vizinho.

Passado algum tempo, a cola terá perdido sua adesividade. Moral da história: “tem uma hora que a ‘menina’ não cola com ninguém, sua ‘alma’ não cola com ninguém”, afirma Damares.

A pastora —que já foi vista em vídeo pregando contra ensino de bruxaria nas escolas— sugere o jogo “pedagógico” com uma naturalidade assustadora, propondo décadas de retrocesso na luta pelo respeito à liberdade feminina.

Na entrevista, depois de um longo discurso sobre a Lei Maria da Penha, a ministra não consegue atinar que a pedra fundamental da violência contra mulher é o não reconhecimento do desejo e da sexualidade feminina.

Meninas podem buscar uma gestação para se sentirem adultas, especiais, cuidadas. Por serem desvalorizadas, podem se sentir impelidas a fazer sexo na tentativa de agradar parceiros afoitos e é importantíssimo que se sintam fortalecidas para dizer não quando não estiverem a fim.

Mas e quando elas estiverem a fim? O slogan correto aqui já existe e é “meu corpo, minhas regras”, bem diferente do “alma gêmea” proposto pela ministra. Alma gêmea, sério!?

Seguindo o raciocínio dessa política, qual seria a idade correta para deixar de se abster de sexo? A mulher que não quiser ter filhos deverá esperar a menopausa para começar a transar? Mas, se não é essa a ideia, não seria melhor focarmos a indicação de métodos contraceptivos eficientes para a população mais emocionalmente vulnerável o quanto antes?

O combate à gravidez indesejada e às doenças sexualmente transmissíveis passa por apresentar e fornecer métodos contraceptivos e preventivos de uma forma dialógica, que inclua escutar os jovens e suas inseguranças e aspirações diante do sexo; oferecer ao jovem alternativas profissionais/educativas que concorram com o projeto paternidade/maternidade; valorizar as mulheres fora da gestação e não apenas nessa época e lutar pelo direito ao aborto.

A única abstinência de que estamos precisando é de ouvir políticas públicas que ignoram nossa luta por respeito.