Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

O lugar do branco na luta antirracista

Sentir vergonha é um bom começo, mas não basta

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É triste reconhecer que nós brancos somos a banda podre da história nacional. Desde que nossa ascendência aportou por aqui, achou que os nativos não eram merecedores de viver nesta terra paradisíaca e comercializou pessoas negras para fazer o trabalho duro. Não satisfeitos, criamos --a partir da abolição-- teorias pseudocientíficas que defendiam sermos o gabarito da humanidade e que serviam para justificar a manutenção de nosso status quo. Para aparar as arestas, retratamos Jesus loiro e de olhos azuis, escamoteando sua origem do Oriente Médio.

As demais etnias seriam uma versão inferior de nós, assim como a mulher seria uma versão inferior do homem. Juntando cor de pele e gênero fica óbvio o porquê das mulheres negras formarem a base de nossa pirâmide econômica e social.

Manifestam marcham durante protesto nos EUA após a morte de George Floyd por um policial branco
Manifestam marcham durante protesto nos EUA após a morte de George Floyd por um policial branco - Brown Frederic J. - 3.jun.20/AFP

O sabor de ficar na berlinda pode ser mais amargo para quem está acostumado a tamanho lugar de privilégio, que mal consegue reconhecê-lo. Talvez você queira se defender disso acusando negros e índios de fazerem mimimi, vitimização. Poupe a nós brancos de mais constrangimentos e busque ajuda para lidar com sua ferida narcísica. Se você pensou em "racismo reverso", pode parar. Racismo é uma opressão estrutural baseada em falsos pressupostos raciais inventados pelos brancos. É totalmente ilógico imaginá-lo "reverso". Recomendo o vídeo do youtuber Yuri Marçal parodiando Luísa Nunes Brasil, senhora que resume o que de pior nós brancos produzimos nos últimos 500 anos. Suas pérolas racistas, somadas à misoginia explícita revelam a incapacidade de reconhecer-se minimamente, seja como mulher oprimida, seja como branca opressora.

Se quisermos entender a experiência de: não se ver representado em nenhuma mídia, não ocupar cargos de liderança ou classes de ensino superior, ser visto com desconfiança nas lojas, bancos e supermercados por não ser considerado consumidor e ser suposto ladrão, ter seu corpo --pele, cabelos, lábios, quadris-- tido como exótico e alvo de curiosidade, ter medo da aproximação da polícia e inúmeros outros exemplos de tratamento desigual, temos que dar voz a quem vive e estuda a questão. Lélia Gonzalez, Angela Davis, Franz Fanon, Silvio de Almeida, W. E. B. Du Bois, Djamila Ribeiro, Lilia Schwarcz --entre tantos outros-- nos mostram o caminho. Estudos sobre a branquitude crítica e acrítica; a diferenciação entre racismo, discriminação e preconceito; racismo estrutural; a história silenciada da luta dos negros; a criação da ideia de raça são básicos e devem fazer parte do nosso dia a dia.

Sendo uma pessoa que preza a solidariedade e a bondade --possível-- entre humanos não é fácil ser acusado de racista, apropriador cultural, privilegiado, mas é crucial refletir sobre quem somos e qual nosso lugar no condomínio Brasilis. Saber-se parte ativa da engrenagem que tritura negros e índios funciona como um choque de responsabilização e exige que tomemos decisões concretas na direção contrária. O próximo passo para os brancos antirracistas é transformar nossa vergonha em atos que promovam mudanças reais.

Adianto que ações espetaculosas que colocam o branco como redentor dos negros podem ser interpretadas como dificuldade em ceder o protagonismo. No limite, é o risco da comovida e bem intencionada campanha #Itakeresponsibility, na qual atores brancos afirmam seu apoio ao movimento antirracista norte americano. Aprendamos com as críticas e lutemos juntos, porque é disso que se trata.

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