Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Escola fechada produz sofrimento

Como responder a um problema sem criar outro?

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Julián Fuks, um dos mais talentosos e premiados escritores de sua geração, tocou fundo na ferida em sua última coluna sobre o sofrimento das crianças impedidas de frequentar a escola.

Elas sofrem porque a escola é parte importantíssima de sua relação com o mundo e primeiro passo na vida pública, para além do ambiente culturalmente restrito da casa. A escola é o lugar de criar laços afetivos, descobrir novas realidades e diferentes costumes, o que permite se distanciar da inevitável neurose —mas também psicose e perversão— da família de origem.

Protesto de famílias pela reabertura das escolas, fechadas desde 23 de março em SP
Protesto de famílias pela reabertura das escolas, fechadas desde 23 de março em SP - Danilo Verpa - 30.ago.20/Folhapress

Entre os sintomas observáveis temos ansiedade, desânimo, doenças psicossomáticas, comportamentos regressivos, depressões, insegurança quanto ao futuro, aumento da dependência. Claro que, como todo evento humano, não há generalização possível. Muitas crianças deram saltos qualitativos no desenvolvimento a partir do contato intenso e inédito com os pais. Mas, mesmo para essas, o benefício vem se esgotando e dando lugar à saudade e luto pelos meses longe de colegas e de professores.

Crianças que não têm acesso à internet relatam o temor de que os professores as tenham esquecido e que o sonho de ter acesso à escola não se cumpra, sem falar na falta da merenda como fonte de alimentação. São essas as que mais pagam o preço do fechamento prolongado.

Ao sofrimento das crianças devemos acrescentar o de pais e de professores. Professores têm se sentido na obrigação de responder a demandas impossíveis: não foram contratados nem treinados para dar aulas pela internet e são exigidos como se o fossem. São responsabilizados erroneamente pelo fracasso retumbante dessa modalidade de ensino para as maioria das crianças —fracasso da virtualidade e não da dupla professor/aluno. São pressionados a voltar no meio de uma pandemia ignorada pelo governo e veem seu projeto pedagógico para 2020 ruir.

Para os pais, fica a missão impossível de encarar as tarefas domésticas, o trabalho, ao mesmo tempo em que acompanham as aulas virtuais do filhos. Soma-se a isso a dor de ver o sofrimento de alunos frustrados e o medo de que a perda pedagógica seja irreparável.

De um lado da balança, sofrimento psíquico e perda educacional, do outro, o aumento de mortes em uma cidade estacionada num platô altíssimo que mal deu sinais de diminuição.

Somente autoridades sanitárias em acordo com administradores escolares seriam capazes de responder com acuidade se a abertura da escola é viável hoje —não me cabe respondê-lo. Mas não há consenso entre os especialistas e a discussão é acalorada. Ainda que a resposta seja sim, não tem como ser prontamente implementada.

Enquanto a discussão do abre-fecha segue, e é fundamental que se discuta com o máximo de dados, pensemos saídas urgentes para lidar com o adoecimento. Mini-circuitos familiares, de colegas ou vizinhos que permitam um contato mais restrito entre jovens e crianças e o rodízio de cuidadores já têm sido feitos, mas precisam ser bem orientados e sistematizados.

Fracassamos quanto à adesão ao isolamento. Há pessoas na rua sem máscara, aglomerações desnecessárias e circulação de quem pode ficar em casa. Órfãos do governo, sem ministro da Saúde ou plano de contingência eficaz, caberá à sociedade civil um esforço a mais na direção do bem comum.

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